Coluna do Freitas: Saldo primário ou saldo nominal do governo, o que mais prejudica?

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Na semana passada duas notícias econômicas dominaram o noticiário, a primeira foi a divulgação pelo IBGE do índice IPCA-15 de outubro que foi de 0,21% contra 0,35% de setembro. Esse índice antecipa o índice da inflação oficial que é o IPCA. O acumulado até outubro foi de 3,96%, enquanto o acumulado de 12 meses foi de 5,05%. Esse indicador de outubro reforça a previsão de que a inflação, em 2023, ficará dentro da meta de 4,75% (limite superior da meta). A outra notícia foi o comentário do presidente Lula de que em 2024 o país não atingirá a previsão de zerar o déficit primário. A notícia foi mal recebida pelo mercado financeiro. O Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tentou ontem, sem sucesso, reverter o comentário, afirmando que a sua meta é de déficit primário zero para 2024. Os agentes econômicos vivem de previsibilidade e confiabilidade, ter uma discussão em público do presidente e do seu ministro não ajuda em nada a economia brasileira. Não importa se teremos déficit zero, ou déficit de 0,25%, ou 0,50% do PIB em 2024, o que importa é propósito de se atingir a meta, passar previsibilidade e credibilidade aos agentes econômicos.

Em tempo, o IBGE divulgou hoje, a taxa de desemprego no trimestre finalizado em setembro, foi de 7,7%, menor patamar em 8 anos. A massa de empregados bateu recorde histórico com 99,8 milhões de trabalhadores. A outra boa notícia para a economia foi o crescimento da renda média real, acima da inflação, em 4,2% no trimestre finalizado em setembro, em relação ao mesmo período de 2022.

No Relatório Focus divulgado no dia 30 de outubro foi divulgado já com reflexos da fala do presidente Lula afetando as projeções das taxas de juros. Para o PIB o relatório fez mais uma pequena redução para 2023 de 2,90% para 2,89%; manteve as projeções para os anos de 2025, 2026 e 2027, de 1,50%, 1,90% e 2,00%, respectivamente. Já para a inflação a previsão de 2023 foi reduzida novamente de 4,65% para 4,63%, mantendo a inflação no limite superior da meta, demonstrando que o mercado ainda não captou nenhum efeito da guerra; o relatório Focus aumentou a previsão para 2024 de 3,87% para 3,90% e manteve as projeções para 2025 e 2026 em 3,50%.

As projeções da Taxa Selic sofreram alterações, o mercado financeiro, em ato especulativo, como é da sua natureza, sem nenhum critério técnico, repercutiu a fala indevida do presidente Lula. Manteve-se a previsão para 2023 de 11,75%; para 2024 a projeção foi de 9,00% para 9,25%; para 2025 de 8,50% para 8,75% e para 2026 mantido em 8,50%. Esse ato especulativo pode influenciar o Banco Central do Brasil reduzir ou interromper o ciclo de queda de juros. Com os aumentos das previsões da Selic e a manutenção da previsão da inflação para os próximos 12 meses de 3,92%, a taxa de juros reais da economia, calculada pela coluna subiu para 6,60% ao ano.

Quando se analisa a curva de juros do Brasil para os próximos anos, o mercado continuou elevando as suas previsões, agora mais pelo impacto da fala do presidente do que do cenário dos EUA:  janeiro de 2024 em 12,056%; janeiro de 2025 em 11,07%; janeiro de 2026 em 10,985% e janeiro de 2027 em 11,15%, os juros reais inclusos nessas taxas são de 7,31% ao ano, acima da taxa de juros calculada pela coluna de 6,60%.  Já as taxas dos títulos dos Estados Unidos caíram levemente, a taxa para 2 anos é de 5,029% e para 10 anos é de 4,842% ao ano.

Ainda pelo relatório Focus, a previsão do resultado primário para 2023 é de -1,10% do PIB, enquanto para 2024, 2025 e 2026 são: -0,78%, -0,55% e -0,45%, respectivamente. Nesse ano o resultado primário acumulado em 12 meses, finalizado em setembro de 2023, foi de -0,7% do PIB, ainda menor do que a previsão do relatório Focus que é de -1,10% para o ano até dezembro.

Além dos fatos econômicos e financeiros da economia brasileira, existe a discussão conceitual das alternativas de políticas econômicas. E tendo como sempre a discussão da participação, ou do tamanho do Estado na economia.

Essa semana a coluna discute a questão do resultado primário do governo. Entende-se por resultado primário o total de receitas menos o total de despesas. Importante ressaltar, não entra nessa conta as despesas com os atuais juros “abusivos” sobre a dívida pública. Aproveitando a controvérsia da fala do presidente Lula sobre a impossibilidade de zerar o resultado primário em 2024, temos duas discussões, primeiro, o erro do presidente dizer isso contrariando a meta do governo, tornando o governo perante o mercado financeiro, desacreditado e sem previsibilidade, como foi discutido no início dessa coluna. Em segundo lugar para quem interessa o resultado primário do governo? O mais interessado nesse indicador são os credores do país, ou seja, os detentores de títulos do governo que hoje recebem a maior taxa de juros reais do mundo, quase 7% ao ano. Encontra-se no relatório Focus a previsão de resultado primário, como citado acima, de -1,10% do PIB para 2023 e a previsão do resultado nominal que inclui juros, de -7,50% do PIB, portanto, somente de juros o governo vai pagar esse ano 6,40% do PIB. Então os juros a serem pagos corresponderão a 85% do resultado nominal negativo do governo. A coluna pergunta o que está prejudicando mais a economia brasileira, são as contas primárias, com 15% ou a conta de juros com 85%? Faz sentido o governo reduzir gastos com educação, saúde, transporte, moradia, investimento público que gera emprego e renda e bolsa família para reduzir o déficit que compõe 15% do problema orçamentário? Faz sentido o governo prejudicar os empresários da economia real, que gera emprego e renda e faz o PIB crescer, prejudicar os trabalhadores e o povo em geral para atender e beneficiar, exclusivamente, o mercado financeiro? A escolha da alternativa do governo que denominamos de política econômica.

A consequência desse saldo nominal negativo de 7,5% do PIB aumenta a dívida pública em relação ao PIB. Esse sim é um indicador importante para medir a capacidade do governo em saldar a sua dívida. E como se resolve essa questão? A primeira é reduzir essa taxa de juros, que é a maior do mundo e a outra é o crescimento do PIB. Portanto, zerar o resultado primário ou ter um resultado primário dos últimos 12 meses de -0,7% do PIB resolverá muito pouco a relação dívida pública/PIB, só o crescimento de mais de 3% do PIB esse ano ameniza a questão.

Por fim, como existe o Relatório Focus, dirigido ao mercado financeiro, essa coluna sugere a criação do Relatório da Economia Real para empresários, trabalhadores e o povo em geral. E nesse relatório poderia apresentar alguns indicadores até esse momento: a) redução da inflação devendo atingir a meta nos próximos 12 meses, após total descontrole dos últimos 2 anos; b) redução acelerada da taxa de desemprego e c) aumento real dos salários. Assim que funciona a ciência econômica, ela não é exata, ela atende interesses, de um lado, os financeiros da Faria Lima, de outro o mercado produtivo e o povo. O governo tem que fazer essa escolha através da sua política econômica.

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Marcos Freitas Pereira 

Natural de São Paulo, acumula mais de 40 anos de experiência no mercado. Doutorando em Turismo, Mestre em Finanças e economista. Fundador e atual sócio da AM Investimentos e Participações que investe em clínicas médicas, turismo, gastronomia e lazer e entretenimento. Foi também fundador da WAM Brasil maior comercializadora de multipropriedade turismo imobiliário do mundo.

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