Se a arbitragem no Brasil e na maior parte dos países mundo afora é percebida como uma opção natural para a resolução de conflitos empresariais complexos e de grande porte, ou seja, para aquelas questões mais estratégicas dos negócios, em Goiás é preciso um esforço maior para não confundir com as cortes de conciliações criadas nos anos 1990, que formou um conceito distorcido na cultura jurídica e empresarial local.
Mas os passos para essa nova compreensão estão sendo dados e, cada vez mais, empresas goianas de médio e grande portes recorrem aos grandes centros de arbitragem, a maioria em São Paulo, para solucionar conflitos de maior complexidade. Para Patrícia Kobayashi, secretária-geral do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM-CCBC), referência no País, essa realidade já amadurecida no cenário de resolução de controvérsias se deve, entre vários fatores, à ampla liberdade que a arbitragem proporciona às partes para a escolha do profissional imparcial e independente mais qualificado para a resolução da disputa, além de permitir a adaptação do procedimento às necessidades do caso. Confira entrevista exclusiva com Kobayashi.
1.A arbitragem para resolução de conflitos empresariais complexos e de grande porte tem sido uma opção natural?
De fato, a arbitragem no Brasil e na maior parte dos países mundo afora é percebida como uma opção natural para a resolução de conflitos empresariais complexos e de grande porte, ou seja, para aquelas questões mais estratégicas dos negócios. Essa realidade já amadurecida no cenário de resolução de controvérsias se deve, entre vários fatores, à ampla liberdade que a arbitragem proporciona às partes para a escolha do profissional imparcial e independente mais qualificado para a resolução da disputa, além de permitir a adaptação do procedimento às necessidades do caso.
Ademais, a consolidação e o crescimento da arbitragem estão intimamente relacionados ao dinâmico e franco desenvolvimento das melhores práticas advindas da experiência de árbitros, advogados, partes, acadêmicos e instituições arbitrais.
Por fim, não se pode ignorar a razão primeira do método. A arbitragem moderna desenvolveu-se para atender as necessidades da expansão das relações econômicas globais, sobretudo o aumento de acordos comerciais internacionais, em razão da sua neutralidade, flexibilidade, celeridade e confidencialidade.
2. A cidade de São Paulo hoje é uma referência para a arbitragem de grandes empresas nacionais e internacionais?
Esse movimento crescente do uso das câmaras de arbitragem para grandes empresas tem possibilidade de se regionalizar, com criação de “filiais” ou surgir novas câmaras em outras regiões ou a manutenção do diferencial, corpo técnico qualificados, por exemplo, torna mais seguro ter a câmara em um grande centro?
Sim, a cidade de São Paulo hoje é uma referência para a arbitragem, em especial aquelas que envolvem grandes empresas nacionais e internacionais. A cidade já provou ser uma opção estratégica para resolução de disputas, uma vez que, além de dinâmica, São Paulo é ainda uma das sedes mais seguras de arbitragens internacionais na América Latina.
Algumas razões contribuem para a escolha de São Paulo como sede de procedimentos arbitrais: apresenta um quadro legislativo arbitral moderno; é sede de câmaras de arbitragem reconhecidas nacional e internacionalmente; detém instalações de ponta; possui uma economia extremamente dinâmica; as cortes judicias locais estão alinhadas com o uso do método; e dispõe de uma comunidade arbitral consolidada.
Como forma de demonstração da importância da cidade de São Paulo como sede de arbitragens nacionais e internacionais e como ambiente de discussões acadêmicas sobre o tema, o CAM-CCBC organiza a São Paulo Arbitration Week (“SPAW”) que ocorre no mês de outubro. A iniciativa, que está em sua segunda edição, consiste em uma plataforma colaborativa que promove eventos, networking e debates a respeito de métodos adequados de resolução de conflitos. A 2ª SPAW, que ocorreu entre os dias 21 e 27 de outubro deste ano, atingiu números surpreendentes, alcançando o patamar de semanas de arbitragens tradicionais de outros países.
No que tange à criação de “filiais”, é importante ter em mente a demanda que cada local apresenta e, do ponto de vista estratégico, qual a vantagem para a “regionalização” de uma instituição arbitral. Via de regra, as instituições têm estrutura para administrar procedimentos em qualquer localidade. Assim, em princípio, com os avanços tecnológicos e estrutura organizada, os centros de arbitragem, por exemplo, sediados em São Paulo, podem administrar processos no Rio de Janeiro, em Miami, Londres e mesmo Goiânia.
O CAM-CCBC, em observância ao crescimento da demanda na cidade do Rio de Janeiro, decidiu inaugurar uma nova unidade em março de 2019. O objetivo é oferecer um atendimento mais próximo ao cliente, além de proporcionar maior comodidade para as empresas sediadas no Rio de Janeiro.
Essa facilidade pode ainda ser oferecida de outras formas. O CAM-CCBC possui vários acordos de cooperação com instituições mundo afora que proporcionam às partes infraestrutura em várias localidades, sem a necessidade unidades locais. A título exemplificativo, temos acordo de cooperação com o CAM-Santiago (Chile) e com o Centro de Arbitragem da Câmara de Comércio de Indústria Portuguesa (Portugal).
3. No CAM-CCBC, mais tradicional centro de arbitragem e mediação do Brasil, qual o perfil das empresas que buscam para solução de seus conflitos?
Em razão da confidencialidade conferida à maior parte dos procedimentos arbitrais, não podemos divulgar informações específicas sobre empresas que tenham ou que tiveram procedimentos arbitrais administrados pelo Centro. De qualquer modo, em linhas gerais, as empresas que buscam arbitragem como método de solução de conflitos, prezando pela celeridade do procedimento e pela especialidade na definição de sua controvérsia, concentram-se em áreas como infraestrutura, indústria, logística, construção, imobiliário, farmacêutico e hospitalar, comércio nacional e internacional, bancário e financeiro.
4. Em geral, quais três ou quatro temas que mais concentram as demandas?
Dentre os 1.063 casos administrados pelo CAM-CCBC desde sua fundação em 1979, as matérias que mais se destacam são: matérias societárias (39%); contratos empresariais em geral (27%); construção civil e energia (14%); e contratos de fornecimento de bens e serviços (11%).
5. Como está a projeção da arbitragem empresarial brasileira no exterior?
A arbitragem brasileira é reconhecida internacionalmente pelo seu franco crescimento e sofisticação de seu mercado. Apesar de seu marco legal ser relativamente novo, aprovado em 1996, o aparato legal da arbitragem é sólido e confiável. A constitucionalidade da Lei de Arbitragem brasileira foi confirmada em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal em 2001 e, em 2002, o Brasil ratificou a Convenção de Nova York de 1958, o que garantiu a eficiência adequada na escolha do método e a inserção do Brasil no sistema internacional de reconhecimento e execução das sentenças arbitrais estrangeiras.
As câmaras arbitrais brasileiras galgaram representatividade e respeito internacional, e da mesma forma os árbitros brasileiros são reconhecidos por sua qualificação técnica e reputação ilibada.
Temos uma vasta trajetória de julgamentos arbitrais exitosos, com destaque para a relevância econômica e complexidade dos casos. Produziu-se, dessa forma, um círculo virtuoso que vem propagando a adoção de cláusulas arbitrais em novos contratos, permitindo vislumbrar mais e mais procedimentos arbitrais no futuro. A arbitragem brasileira consagrou-se como uma opção segura e qualificada para o acesso à justiça.
Para ilustrar essa questão, a maior pesquisa da área, em sua edição de 2018, realizada por Queen Mary University of London e White & Case, “International Arbitration Survey: The Evolution of International Arbitration“, enumerou as instituições mais respeitadas, os locais preferidos para a instauração dos procedimentos, os árbitros, as formas de financiamento, bem como a eficiência na administração dos procedimentos – atributos importantes da arbitragem. O CAM-CCBC apresenta um notável destaque no campo das instituições responsáveis por administrar procedimentos arbitrais, ocupando a 3ª posição no ranking da América Latina e a 8ª posição no ranking mundial.
6. Em que evoluímos nos últimos anos na arbitragem e onde temos margem para avançar?
Apesar de “jovem”, a arbitragem desenvolvida no Brasil percorreu diversos caminhos e, hoje, enfrenta desafios compartilhados com a comunidade internacional. Dentre eles, podemos citar: diversidade de gênero, transparência e tecnologia da informação. A presença de mulheres como árbitras e advogadas atuando em procedimentos vem se desenvolvendo em função de políticas promovidas por todos os partícipes deste mercado. O clamor por transparência, em contraste com o princípio da confidencialidade tão caro ao procedimento arbitral, também vem imprimindo mudanças significativas para que partes e advogados tenham cada vez mais informações sobre os árbitros e outros dados sensíveis para a escolha da arbitragem como método de resolução de conflitos. Além disso, as mudanças tecnológicas que revolucionam o meio jurídico também deixam suas marcas na arbitragem, que deverá se adaptar às necessidades cada vez maiores por segurança e ética.
7. É uma realidade futura para médios negócios?
Sim. Apesar da arbitragem ainda ser percebida como um mecanismo vocacionado para disputas complexas envolvendo empresas de grande porte, há um movimento crescente da comunidade jurídica em prol da acessibilidade do método à pequenos e médios negócios. Esperamos que os métodos adequados de solução de conflitos, como a mediação e a arbitragem, se tornem cada vez mais usuais e acessíveis no Brasil. Muitas instituições, e o CAM-CCBC não é exceção, estão trabalhando para oferecer procedimentos expeditos, com custas mais acessíveis e menor tempo para resolução da disputa.