*** Por Marcos Freitas Pereira
Vive-se hoje no Brasil uma tempestade perfeita com uma crise quadrupla e simultânea: crise política; ambiental; sanitária e econômica. Das quatro crises, duas são exclusivamente oriundas internamente (política e ambiental), uma é oriunda externamente (sanitária) e a última oriunda da conjugação das crises internas com a crise externa (econômica).
Estas crises serão lembradas na história do país que confirmarão no futuro que o principal responsável pela criação e aguçamento delas é o atual e ainda presidente da república Jair Bolsonaro.
A crise política inicia-se imediatamente após a posse do presidente da República, janeiro de 2019. Segundo o economista Delfim Neto, Bolsonaro nunca entendeu o poder que o povo lhe concedeu na eleição de 2018, com o discurso crítico e contrário a velha política, esqueceu-se que ele foi eleito para um sistema presidencialista e que para governar teria que ter negociado uma maioria estável e com ela dividir o governo republicanamente. Ao contrário do que deveria ter feito, o presidente há mais de 500 dias conflita com as instituições estabelecidas pela atual Constituição. Ainda segundo Delfim Neto “somente a absoluta submissão à Constituição pode salvar a Pátria Amada”.
No risco de dezenas de pedidos de impeachment já enviados ao Congresso Nacional, o presidente faz sinal para iniciar, no sentido de evitar o impedimento, um acordo com o chamado bloco centrão do legislativo, entregando cargos importantes com orçamentos bilionários. Bloco este que reúne vários partidos acusados de casos de corrupção do país. O presidente contraria com este acordo a promessa eleitoral de combater e recusar a velha política do “toma lá da cá”, perdendo com isso um número considerável de apoio dos que o elegeram.
A crise ambiental inicia-se também no início do governo com o afrouxamento do sistema contra o desmatamento da região amazônica. Com o discurso de desenvolvimento econômico, áreas de preservação ambiental e áreas indígenas são questionadas pelo governo e pelo seu ministro responsável. Desde então o Brasil tem batido recordes e mais recordes de desmatamento na região, os últimos dados de abril de 2020 em relação a abril de 2019 tiveram aumento da ordem de 171%. Estes dados de desmatamento até recentemente eram desmentidos e negados pelo governo federal.
Não é coincidência que o desmatamento teve este aumento no mesmo momento que estamos vivendo em um isolamento devido a COVID-19, se já havia falta de policiamento e proteção às áreas antes, imaginem agora quando o Brasil e o mundo tem como prioridade o combate ao vírus. O alerta é de que pode ser tarde demais quando a crise do vírus acabar, o prejuízo maior ambiental pode já ter acontecido.
Se não bastasse as duas crises provocadas pelo atual governo, o mundo nos trouxe a crise COVID-19, iniciado na China no final do ano passado e constatado o 1º. caso no Brasil em março de 2020. Mais uma vez o governo consegue, desta vez não criar, mas aguçar uma crise sanitária muito séria através do seu posicionamento. Desde o início a lógica foi de negar a crise e negar a sua gravidade e de se posicionar contrário a qualquer medida de isolamento para evitar o contágio, alegando que o mesmo teria consequências para a economia do país e que estas seriam piores do que às consequências do vírus, ou seja, a dicotomia entre saúde e economia.
Mais uma vez o Brasil bate recorde. Esta semana, dia 20 de maio de 2020, quase 20 mil novos casos surgiram, no mesmo dia quase 900 mortes, depois de ter batido mil mortes no dia anterior. O Brasil é o único país entre os maiores que as curvas, tanto de casos como de mortes são ascendentes, enquanto os demais já atingiram o pico da doença e estão com curvas descendentes. Enquanto isso, os especialistas não conseguem prever quando será o pico no nosso país. Os países Europeus, Asiáticos e os Estados Unidos tiveram o cuidado de só iniciarem o processo de reduzir o isolamento após ter atingido o pico do contágio, enquanto, no Brasil este processo iniciou-se em plena ascensão da curva por influência do Presidente Bolsonaro. Justiça seja feita, a maioria dos governos e prefeituras tentaram ainda postergar o fim do isolamento, porém, não estão tendo sucesso. Como exemplo o estado de Goiás que já atingiu o maior grau de isolamento do país, hoje, é o pior, apesar de todo o protesto do governador do Estado e os casos tem aumentado dia a dia com a sua curva ascendente.
Por fim, completando a tempestade perfeita, temos a crise econômica que deriva de todas as crises citadas anteriormente. Para lembrar, antes da pandemia a previsão do crescimento do PIB já era de crescimento de menos de 1% para 2020, iniciou-se o ano com previsão de 2,5%, ou seja, previa-se exatamente o que aconteceu no ano de 2019.
O mercado financeiro já se protegia em função da crise política, bilhões de dólares já estavam saindo do país, a taxa de câmbio já estava elevando-se significativamente, fevereiro já tinha sido um mês de baixa na bolsa de valores.
Com o isolamento necessário para o combate a COVID-19 a economia praticamente parou a partir de meados de março de 2020 até os dias atuais. A crise sanitária é uma crise excepcional que afeta a oferta e a demanda de produtos e serviços, onde o mercado, a “mão invisível” dos neoliberais, é incompetente para solucioná-la. Portanto, esta crise necessita da atuação forte do Estado na sua solução.
E mais uma vez, contrariando o mundo todo, o governo Bolsonaro, evitou desde o início o uso do Estado na solução do problema, em função da sua política econômica neoliberal conduzida pelo ministro Paulo Guedes. Enquanto o mundo anuncia gastos em torno de 15% a 20% do PIB para retomar a economia, o Brasil anunciou gastos da ordem de 5% do PIB, porém, estes gastos não conseguem chegar aos interessados, ou seja, às empresas, aos governos estaduais e municipais e principalmente aos mais necessitados, os profissionais liberais e os desempregados. O causador desta ineficiência é a falta de preparo do governo para operacionalizar as medidas anunciadas. O exemplo maior desta ineficiência é o programa para folha de pagamento das empresas, foram anunciados R$ 40 bilhões, pouco mais de 1% foi liberado. O governo tem reconhecido as falhas operacionais das suas medidas econômicas, espera-se que não seja tarde demais.
O cenário brasileiro hoje exige uma compreensão global destas crises, suas causas e consequências para uma atuação política harmoniosa entre os poderes executivo, legislativo e judiciário para solucioná-las. E quanto se diz poder executivo, compreende-se federal, estadual e municipal, acredita-se que o início deste processo começou na reunião no dia de ontem (21 de maio) entre o Presidente e os Governadores. Que as crises possam unir as instituições brasileiras na busca de alternativas.
Parafraseando Delfim Neto, somente com o respeito à Constituição atingir-se-ão os duros desafios. E parafraseando o empresário Abílio Diniz deve se ter um plano econômico pós COVID-19 planejado, discutido e aprovado pela sociedade brasileira.
** Natural de São Paulo, Marcos Freitas Pereira acumula mais de 25 anos de experiência de mercado. Doze destes anos foram como administrador em cargos de comando na Pousada do Rio Quente Resorts. Exerceu as funções de Gerente de Orçamento e Finanças, Controller, Diretor Estatutário Administrativo Financeiro e Diretor de Relações com o Mercado. Além disso, dois anos como Diretor Superintendente, principal executivo da empresa.
Mestre em Finanças pela Universidade Alcalá – Espanha – 2011, MBA Executivo Internacional – Unip e Universidade de Alcalá – 2011, graduado em Economia pela PUC-SP 1988, pós-graduado na Universidade Corporativa do Grupo Algar, e doutorando em Turismo. Atualmente atua como Sócio da WAM Brasil.