Reforma Tributária: Remédio ou veneno?

Flávio Palmerston

Advogado tributarista especializado em restituição de tributos e sócio da ‎Caldeira, Palmerston & Vasconcelos Advogados Associados.
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Três propostas de Reforma Tributária estão em discussão no Congresso Nacional, mas os impactos de cada uma foram realmente analisados? (Imagem: Pixabay)

Não se constrói uma obra urbana relevante sem estudos de impacto ambiental, no trânsito ou de vizinhança. Só assim para se evitar distorções no crescimento urbano e efeitos negativos para a comunidade. Da mesma forma, usando essa analogia e guardada as devidas proporções, podemos dizer que é fundamental, até para manter as regras de ordenação e expansão dos entes federativos, que antes de uma reforma tributária, se deva dar a devida profundidade aos impactos para as contas públicas e contribuintes.

Não basta apenas modernizar a fiscalização e desburocratizar os processos, pois a legislação atual é ultrapassada e cheia de vícios. A reforma tributária, novamente, ganha velocidade no Congresso e conta com vários textos (propostas) circulando. No entanto, se não convergem nos fundamentos, incorrem na mesma falha: não trazem dados atualizados e confiáveis sobre os reais impactos das mudanças.

Os textos são fundamentados em um vazio de números, sem a real clareza necessária, caminhando mais para uma introdução protocolar do que para traçar um panorama dos tributos no País e suas raízes. Os impactos para empresas, consumidores e agentes públicos não são revelados, minimamente. Seria mais uma construção de projeto pronto sobre uma desconstrução que mal se sabe a realidade e enraizamento desta “velha” obra.

Não se tem, por exemplo, um impacto real do fim dos incentivos fiscais para cada Estado ou simulação de perdas e ganhos de receitas entre os Entes federativos. Vai haver um reordenamento da circulação das receitas tributárias em todos País? Qual a realidade e consequências da implantação dos textos apresentados?

De fato, a reforma traz uma defesa de modernização, simplificação e outros termos que justificam a superfície da obra. Porém, qualquer uma das propostas postas reestruturam e modificam o modelo e direcionamento da arrecadação. Contudo, de fato, não reduzem o peso da carga tributária de forma a incentivar, substancialmente, o crescimento da produção e colocar o País em igualdade de condições com as economias mais competitivas do mundo.

Noutro ponto, não tem uma simulação mínima de impacto, pois se assim tivesse, Estados como Goiás e Mato Grosso, só para ficar nos mais próximos, jamais trocariam o certo pelo altamente duvidoso. Reformar apenas pelo espírito reformista que baixou no Congresso, na última meia década, é colocar as contas públicas de Estados e municípios em risco.

O economista Delfin Netto já admitiu publicamente que, ao fazer a última reforma tributária, na década de 60, copiando o modelo francês, o mais moderno até então, desconsideraram alguns aspectos ao tratar do ICMS, que não lhes pareciam relevantes. Na década seguinte, em Goiás, surge o primeiro texto de incentivos fiscais à industrialização – leis 7.380 (1971) e 7.700 (1973), ambas da gestão do então governador Leonino Ramos Caiado que depois inspirou o Fomentar (em meados dos anos 1980, com Iris Rezende) e Produzir (final dos anos 1990, com Marconi Perillo).

Nem bem aprovou a reforma do Delfin Netto, Goiás aproveitou as brechas (falta de estudo dos impactos da reforma tributária) para criar suas isenções e a concessão de vários benefícios para as indústrias, além de prever a infraestrutura e atração de novos investimentos para o Estado.

Enfim, deve-se preocupar com o benefício do “remédio”, mas sem desconsiderar os efeitos colaterais do mesmo. Estados subdesenvolvidos ganharam uma ferramenta para se industrializar com a reforma tributária do Delfin Netto, dos anos 1960. Contudo, há risco de se percorrer o caminho inverso, iniciando processo de desindustrialização e transferência das empresas para estados com maior mercado consumidor e oferta de matérias primas mais abundante. Deve haver, pois, preocupação com o equilíbrio da geração de riquezas no País. Um território continental, marcado pelas diferenças regionais não tem como receber tratamento hegemônico.

A tão demorada reforma dos tributos brasileiros é muito maior que corrigir as falhas de quase 50 anos. Deve, sim, reduzir a carga tributária para estimular investimento e o crescimento orgânico da economia. Como o estudo de impacto é precário, teremos, certamente, efeitos colaterais, sem qualquer garantia de efeitos positivos para o PIB. As atuais propostas podem ampliar a complexidade ao trazer modelos que mudam o fluxo das receitas tributárias e afetam os investimentos industriais – o que pode causar maior desigualdade entre os Estados brasileiros.

Estamos discutindo a votação e implementação de uma reforma tributária que muda e eleva carga de tributos, não contribuindo para sair do mais longo ciclo recessivo da economia brasileira, em mais de um século. Em vez de tentar recuperar a economia, empresas e empregos, estamos a meia década corrigindo e tentando salvar apenas as contas públicas, o que só aprofunda a paralisia da economia brasileira.

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