Apesar de já ter mais de 16 (dezesseis) anos de vigência, a Lei de Falências e Recuperação de Empresas, de número 11.101/05, ainda gera dúvida entre os seus aplicadores. Um exemplo presente é sobre qual o prazo em que o devedor/recuperando deverá pagar os seus credores da classe trabalhista.
De seu lado, a citada Lei 11.101/05, em seu artigo 54, tratando da questão, diz;
“O plano de recuperação judicial não poderá prever prazo superior a 1 (um) ano para pagamento dos créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho vencidos até a data do pedido de recuperação judicial”.
Mas, a contar de quando? E acrescenta em seu Parágrafo Primeiro, que
“O plano não poderá, ainda, prever prazo superior a 30 (trinta) dias para o pagamento, até o limite de 5 (cinco) salários-mínimos por trabalhador, dos créditos de natureza estritamente salarial vencidos nos 3 (três) meses anteriores ao pedido de recuperação judicial”.
Igualmente, a contar de quando?
A Lei reformuladora da 11.101/05, de número 14.112/20, acrescentou ao citado artigo 54 o Parágrafo segundo, possibilitando ao devedor/recuperando a elasticidade do prazo original para pagamento em até dois anos, desde que:
- I – apresente garantias julgadas suficientes pelo juiz;
- II – tenha aprovação pelos credores titulares de créditos derivados da legislação trabalhista ou decorrentes de acidentes de trabalho, na forma do § 2º do art. 45 da Lei 11.101/05; e
- III – apresente garantia da integralidade do pagamento dos créditos trabalhistas.
De toda forma, a indagação que dá título a estes nossos estudos não foi respondida. Assim, a contar de quando? Qual seria, então, o termo inicial?
O órgão competente para conhecer e julgar questões infraconstitucionais, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, STJ, em recentíssimo julgado agora de 15.06.2021 e publicado dois dias após, ou seja, em 17.06.2021, com relatoria da eminente Ministra Nancy Andrighi, integrante da Terceira Turma, colocou fim às dúvidas por acaso existentes, conforme ementa, cujo inteiro teor abaixo se transcreve:
“RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRAZO PARA PAGAMENTO DOS CREDORES TRABALHISTAS. MARCO INICIAL. ART. 54 DA LEI 11.101/05. DATA DA CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. MOMENTO A PARTIR DO QUAL AS OBRIGAÇÕES DEVEM SER CUMPRIDAS.
Recuperação judicial requerida em 15/11/2018. Recurso especial interposto em 15/10/2020. Autos conclusos à Relatora em 9/3/2021.
O propósito recursal consiste em definir o termo inicial da contagem do prazo para pagamento dos credores trabalhistas no procedimento de recuperação judicial do devedor.
A liberdade de negociar prazos de pagamentos é diretriz que serve de referência à elaboração do plano de recuperação judicial.
Todavia, a fim de evitar abusos que possam inviabilizar a concretização dos princípios que regem o processo de soerguimento, a própria Lei 11.101/05 cuidou de impor limites à deliberação dos envolvidos na negociação. Dentre esses limites, vislumbra-se aquele estampado em seu art. 54, que garante o pagamento privilegiado de créditos trabalhistas. Tal privilégio encontra justificativa por incidir sobre verba de natureza alimentar, titularizada por quem goza de proteção jurídica especial em virtude de sua maior vulnerabilidade.A par de garantir pagamento especial aos credores trabalhistas no prazo de um ano, o art. 54 da LFRE não fixou o marco inicial para cumprimento dessa obrigação.
Todavia, decorre da interpretação sistemática desse diploma legal que o início do cumprimento de quaisquer obrigações previstas no plano de soerguimento está condicionado à concessão da recuperação judicial (art. 61, caput, c/c o art. 58, caput, da LFRE).
Isso porque é apenas a partir da concessão do benefício legal que o devedor poderá satisfazer seus credores, conforme assentado no plano, sem que isso implique tratamento preferencial a alguns em detrimento de outros. Doutrina.
Vale observar que, quando a lei pretendeu que determinada obrigação fosse cumprida a partir de outro marco inicial, ela o declarou de modo expresso, como ocorreu, a título ilustrativo, na hipótese do inciso III do art. 71 da LFRE (plano especial de recuperação judicial).
Acresça-se a isso que a novação dos créditos existentes à época do pedido (art. 59 da LFRE) apenas se perfectibiliza, para todos os efeitos, com a prolação da decisão que homologa o plano e concede a recuperação, haja vista que, antes disso, verificada uma das situações previstas no art. 73 da LFRE, o juiz deverá convolar o procedimento recuperacional em falência.
Nesse norte, não se poderia cogitar que o devedor adimplisse obrigações antes de ser definido que o procedimento concursal será, de fato, a recuperação judicial e não a falência. Somente depois de aprovado o plano e estabelecidas as condições específicas dos pagamentos é que estes podem ter início. Doutrina.
O fundamento que serve de suporte à conclusão do acórdão recorrido – no sentido de que o pagamento dos créditos trabalhistas deveria ter início imediatamente após o decurso do prazo suspensivo de 180 dias – decorre da compreensão de que, findo tal período, estaria autorizada a retomada da busca individual dos créditos detidos contra a recuperanda. Essa compreensão, contudo, não encontra respaldo na jurisprudência deste Tribunal Superior, que possui entendimento consolidado no sentido de que o decurso do prazo acima indicado não pode conduzir, automaticamente, à retomada da cobrança dos créditos sujeitos ao processo de soerguimento, uma vez que o objetivo da recuperação judicial é garantir a preservação da empresa e a manutenção dos bens de capital essenciais à atividade na posse da devedora. Precedente.
Ademais, a manutenção da solução conferida pelo Tribunal de origem pode resultar em prejuízo aos próprios credores a quem a Lei 11.101/05 procurou conferir tratamento especial, haja vista que, diante dos recursos financeiros limitados da recuperanda, poderão eles ser compelidos a aceitar deságios ainda maiores em razão de terem de receber em momento anterior ao início da reorganização da empresa.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO”. (destaque e grifos nossos).
Observa-se que nesta questão sob estudos, o STJ enfrentou um Acórdão que dizia que o termo inicial seria após decorrido o prazo suspensivo de 180 (cento e oitenta) dias, o que, como bem frisou a eminente Relatora, não encontraria respaldo junto à jurisprudência daquele Tribunal, cujo entendimento consolidado era outro.
O termo inicial, portanto, e conforme os termos acima sublinhados e destacados, não só para o pagamento dos créditos trabalhistas na recuperação judicial, mas também de todos os demais créditos envolvidos, é a partir da data da concessão da mesma, a qual, obviamente, é posterior à aprovação do plano de recuperação judicial.