A corrida pela digitalização e a grande liquidez global levaram os fundos de venture capital, que investem em startups, a bater um novo recorde anual de aportes no Brasil. Esses fundos aportaram R$ 46,5 bilhões no ano passado em startups brasileiras, triplicando a cifra registrada um ano antes, segundo pesquisa da KPMG e da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (Abvcap), obtida com exclusividade pelo Estadão/Broadcast. Foi o quarto ano consecutivo de resultado recorde.
O impulso veio principalmente das startups ligadas ao setor financeiro (fintechs) e ao segmento de seguros (insuretechs), que concentraram quase 30% desse montante, conforme o levantamento. A lista dos dez maiores aportes em startups realizados no ano passado mostra bem esse domínio, com quatro operações ligadas ao setor financeiro.
Como resultado da grande injeção de liquidez nas startups, o Brasil teve uma “avalanche” de novos unicórnios, como são chamadas as empresas que passam a ter uma avaliação no mercado superior a US$ 1 bilhão. Entre elas estão a MadeiraMadeira, Mercado Bitcoin, C6 Bank, Facily e Olist.
Na contramão
Já fundos de private equity, que investem em empresas mais maduras, no entanto, foram na direção contrária, mostra o levantamento da KPMG e Abvcap. Os investimentos dessas gestoras no Brasil caíram 19%, para R$ 7,3 bilhões, refletindo os fracos indicadores econômicos locais.
O presidente da Abvcap, Piero Minardi, aponta que esse descolamento dos investimentos para as startups é uma realidade brasileira. Em outros países, essas cifras costumam andar juntas – em geral, os cheques dos fundos de private equity são mais gordos.
O problema, aqui, é a falta de confiança no avanço do Produto Interno Bruto (PIB) – hoje, o mercado prevê um crescimento inferior a 0,3% para 2021, resultado muito abaixo da média global. “O venture capital é menos sujeito ao crescimento da economia”, frisa Minardi, que comanda o fundo americano Warburg Pincus no Brasil. A gestora que está por trás de grandes negócios, como a Petz.
Minardi lembra que, ao longo dos últimos anos, os private equities também tiveram suas atividades abaladas pela volatilidade do câmbio – o que continuar a ser um problema ao longo de 2022.
Realidades distintas
Sócio líder de Private Equity e Venture Capital da KPMG no Brasil, Roberto Haddad comenta que o salto da indústria de venture capital no País ficou mais evidente em 2020, momento que os recursos para esse tipo de investimento se voltaram ao Brasil.
“Hoje o jovem sabe que, se ele tiver uma ideia bem executada, ele terá dinheiro disponível”, afirma.
De acordo com Haddad, os fundos dedicados a negócios em estágio inicial devem continuar aquecidos neste ano, sendo que ainda há muitos setores a ser explorados, como as agritechs (startups dedicadas ao ramo agropecuário) e healthtechs (de saúde).
Além disso, o especialista aponta que esse segmento é menos sensível aos percalços da economia e se abala menos com os juros e a taxa de câmbio, que tecnicamente podem acabar com a rentabilidade dos fundos de private equity.
A disparada do dólar passou a ser um problema para os fundos voltados a grandes empresas que fizeram investimentos há alguns anos no País. Isso porque o fundo que comprou um negócio na época de câmbio a R$ 3 ou R$ 4 agora pode perder dinheiro mesmo se vender o negócio por um valor superior, em reais. Na conversão para dólar para “pagar” a matriz, o negócio corre ainda o risco de valer menos do que o valor originalmente pago. “O câmbio é nosso gargalo. Essa incerteza é nosso calcanhar-de-aquiles.”
Com informações de Estadão Conteúdo (Fernanda Guimarães)