Possibilidade de alterar a opção anual do regime tributário na pandemia

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Em tempos de pandemia, muito se discute sobre opções de minimização dos impactos tributários e financeiros nas empresas brasileiras. Medidas imediatas como postergações de tributos federais foram as primeiras a serem tomadas pelo Governo Federal. Em marcha lenta, a grande maioria dos estados e municípios não tem tomado as mesmas providências, o que acelerou o número de ações judiciais pleiteando, em resumo, que o pagamento de tributos federais, estaduais e municipais fossem postergados, em média, por 90 dias ou que os parcelamentos em curso também o fossem.

Mas temos alternativas ainda em aberto que podem minimizar o colapso econômico e são alternativas que devem ser deliberadas de imediato.

As Microempresas e Empresas de Pequeno Porte brasileiras poderão realizar, desde que preenchidos os requisitos estampados na LC 123/06, a opção pelo regime simplificado e unificado de tributação, o Simples Nacional. Via de regra, àquelas empresas que não preencherem tais requisitos é concedida a prerrogativa de escolha entre o regime de tributação do Lucro Real e o do Lucro Presumido, em cada exercício, de acordo com os critérios que melhor se amoldem a sua lucratividade e desde que sejam atendidas determinadas condições legais.

A escolha do regime de tributação deve ser precedida de uma análise acurada, preferencialmente realizada ao fim de cada ano, momento no qual se planeja os aspectos e projeções tributárias para o exercício seguinte. Entre os parâmetros a serem observados, destaca-se: a atividade desenvolvida é sazonal? Qual a lucratividade efetiva do exercício anterior? Haverá uma alavancagem em seu faturamento em virtude de novos contratos de fornecimento de bens e serviços para o ano seguinte?

O contribuinte, ao realizar sua opção pelo regime de tributação, com base em elementos e informações contábeis, econômicas e fiscais concretas, faz projeções quanto ao comportamento econômico, quanto à taxa de inflação prevista, quanto à previsão do crescimento do PIB, dentre outras. Percebe-se, portanto, que a tomada de decisões relevantes, como a escolha de um regime de tributação de forma definitiva, pauta-se na previsibilidade futura, mensurada a partir de informações fidedignas e objetivas extraídas a partir das demonstrações contábeis.

O STJ, considerando as disposições legais expressas sobre a definitividade da opção pelo regime de tributação1, dentre outros fatores, consolidou entendimento no sentido de que, caso o contribuinte opte por um regime menos vantajoso, não lhe é assegurado o direito de migrar para outro regime, seja no ano calendário em curso, seja para exercícios anteriores.

O entendimento é acertado, pois, a escolha realizada pelo contribuinte ao início de cada exercício, baseia-se – ou, ao menos, deveria – em informações e dados consistentes e mensuráveis. Trata-se, portanto, de projeções factíveis norteadas por cenários econômicos previsíveis, de modo que não seria razoável permitir ao contribuinte a alteração do regime de tributação do lucro real para o lucro presumido ou vice-versa.

É possível transportar o argumento utilizado para se concluir pela impossibilidade de opção tardia pelo regime do Simples Nacional, uma vez que, ao contribuinte, atendido as condições elencadas na LC n. 123/2006, é permitido a opção pelo regime até o último dia útil de janeiro de cada exercício. Por sua vez, a escolha entre os regimes do Lucro Real e do Lucro Presumido, como regra, ocorrem a partir do “pagamento do imposto correspondente ao mês de janeiro ou de início de atividade”, quanto ao primeiro, e do pagamento “da primeira ou única quota do imposto devido correspondente ao primeiro período de apuração de cada ano-calendário”, quanto ao segundo. É o que preceitua, respectivamente, o art. 3º, parágrafo único e o art. 26, § 1º, ambos da lei 9.430/96.

A crise perpetrada pelo doença da Covid-19, provocou severas alterações no cenário social, jurídico, econômico, que se traduz em medidas de restrições de funcionamento de atividades econômica e de circulação de pessoas.

As medidas adotadas, no entanto, geram efeitos negativos sobre a livre iniciativa. São inevitáveis as perdas de receita em decorrência das restrições ao funcionamento. Em face à visível recessão econômica, o consumo de bens e serviços, como regra, reduziu drasticamente, em função do isolamento social e da contenção de gastos, advindos das incertezas quanto à retomada da normalidade da economia.

Por outro lado, embora os custos e despesas variáveis tenham reduzido em função da paralisação coercitiva, o mesmo não se pode dizer dos custos e despesas fixas que, com o perdão da redundância, mantiveram-se inalterados. Esse cenário, têm provocado uma sangria no fluxo de caixa das empresas, prejudicando o já escasso capital de giro, haja vista que a maioria das empresas nacionais trabalham com elevado capital de terceiros, em detrimento do capital próprio, sendo, portanto, impactadas pelas elevadas taxas de juros para captação desses recursos no mercado financeiro.

Não se desconhece que o Poder Público vem adotando medidas, em âmbito das três esferas federativas, para mitigar o impacto imediato causado ao fluxo de caixa dos contribuintes, em decorrência da substancial – quando não, total – queda de faturamento.

Entre as medidas mais visíveis, destaca-se a edição da Portaria nº 139/2020 do Ministério da Economia, a qual prorroga o prazo de pagamento das contribuições previdenciárias patronais e das contribuições do PIS/COFINS referente aos meses de março e abril de 2020. Louvável, também, a publicação da LC nº 154/2020, que prorroga o vencimento das Guias do Documento de Arrecadação do Simples Nacional – DAS relativo aos meses de março, abril e maio de 2020.

Em que pese a importância das supraditas ações, ainda é tímida a atuação Estatal no efetivo auxílio da “valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” a que se refere o caput do art. 170 da Constituição Federal.

É de se observar que, o simples adiamento do recolhimento de alguns tributos, por si só, não garante a manutenção de empresas e empregos neste momento de grave crise econômica e social. Tratam-se de medidas paliativas, pois, evidentemente, não há comprovação de que, findo o prazo de prorrogação concedido, a empresa disporá de liquidez para arcar, de uma só vez, tanto com o pagamento do acumulado dos meses anteriores prorrogados, quanto com o da própria competência não prorrogada. A título de exemplo, o PIS e a COFINS da competência de março de 2020 que originariamente venceria em 25 de abril de 2020, foi prorrogado para 25 de agosto de 2020, através da Portaria ME Nº 139/2020. É pouco provável – e na melhor das hipóteses – que nesta data as empresas disponham de liquidez para efetuar o pagamento do PIS e a COFINS referentes ao mês de março de 2020 e o referente ao mês de julho 2020, vincendo na mesma data.

A medida acima apontada não diminui definitivamente a carga tributária do contribuinte, mas, tão somente, a posterga. A frustração do faturamento em decorrência da Covid-19, por sua vez, é definitiva. A conta não fecha.

Não se descuide, porém, da importância da higidez arrecadatória para o cumprimento, por meio do erário público, das funções públicas essenciais, sobretudo quanto ao combate da disseminação do vírus e demais questões sanitárias e de saúde relacionados à Covid-19.

Uma alternativa factível e adequada à atual realidade, é a flexibilização da definitividade da opção anual por um determinado regime de tributação, a qual é realizada, como visto, seja em 31 de janeiro de cada ano, no caso da opção pelo Simples Nacional, seja com pagamento do DARF optando pelo Lucro Real trimestral ou anual ou pelo Lucro presumido. Trata-se, portanto, da abertura de prazo para a mudança, ainda no curso deste exercício, do regime tributário escolhido no início do ano calendário e que, porém, não mais se mostra apropriado diante do desencadeamento da crise.

A solução atende as duas vertentes econômicas fragilizadas diante da crise: a pública e a privada. Ao mesmo tempo em que caminha no sentido de se evitar o encerramento generalizado de atividades econômicas, ante às consequências da crise, assegura a estabilidade do erário público.

Não haveria, portanto, uma total dispensa da arrecadação por parte do Fisco, de modo a garantir a existência de fundos aptos e suficientes à satisfação dos gastos extraordinários, em decorrência da pandemia, na efetivação de políticas públicas para o seu combate. Aliás, a diminuição de receitas em razão da possibilidade de alteração de regime tributário, ainda neste exercício, estará dentro da margem de previsibilidade da Lei Orçamentária Anual para o ano de 2020, pois esta foi proposta até 31 de agosto de 2019, portanto, antes da ciência, por parte do Poder Executivo das três esferas federativas, do regime tributário que seria escolhido pelos contribuintes.

Permitir a mudança para o lucro real daqueles que optaram pelo presumido, evitaria uma dupla absorção das consequências negativas da pandemia, pois, apesar da ausência de lucro, que de fato não pode ser evitada, o contribuinte não estaria sujeito ao pagamento de tributo sobre a presunção ficta de um lucro que, em verdade, não ocorreu.

Aqueles que preencham os requisitos para realizar a opção pelo Simples Nacional, caso lhes seja possibilitada a inclusão extemporânea, verão reduzida substancialmente o encargo social sobre a sua folha de salários, uma vez que tal montante já estaria inserido no recolhimento unificado do DAS, nos casos das atividades constantes dos anexos I, II, III e V da LC nº 123/06.

Juridicamente, a questão já foi abordada pelo STJ. A corte, por meio do Resp. 1.266.367/PE, reiterou seu posicionamento no sentido de que é inviável a migração de regime fora dos prazos estabelecidos porquanto “não se pode conceber que somente o contribuinte seja beneficiado na relação jurídico-tributária sem que também se preserve os interesses do Fisco, especialmente quando já considerada a livre manifestação de vontade do optante”.

Entretanto, diante da absoluta imprevisibilidade de uma crise de dimensões mundiais, a alteração do regime tributário, ante a consequente frustração de receitas generalizadas, não adquire contornos de abuso do direito de escolha. Ao contrário, busca concretizar o intento do legislador de permitir, efetivamente, que o contribuinte faça a escolha do regime que melhor lhe aprouver no ano calendário, em consonância com a “valorização do trabalho humano e na livre iniciativa” a que se refere o art. 170 da Constituição Federal e, no caso daqueles que preenchem os requisitos do Simples Nacional, com o art. 146, inciso III, alínea “d” e art. 170, inciso IX, ambos também da Carta Maior.

Ademais, evitar a encerramento generalizado de atividades econômicas também parece ser de interesse mediato do Fisco, pois, evitando-se o esgotamento da fonte arrecadatória, assegura-se, por consequência, a perenidade das receitas tributárias.

Também é plausível a ideia de que a Suprema Corte, caso provocada, dê intepretação conforme Constituição Federal – em face de seu art. 170 – à definitividade contida no art. 16, § 2º da LC nº 123/2006, no art. 13, § 1º da Lei nº 9.718/1998 e no art. 3º da Lei nº 9.430/1996, para se ressalvar a hipótese de imprevisibilidade decorrente o atual cenário de crise mundial. Não se trata de uma novidade ao STF, uma vez que o raciocínio já foi aplicado, recentemente, pelo Ministro Alexandre de Moraes no contexto da ADI 6357, movida pela AGU. Na oportunidade, foi dada intepretação conforme aos artigos 14, 16, 17 e 24 da LRF e 114, caput, in fine e 14, da LDO/2020, “para, durante a emergência em Saúde Pública de importância nacional e o estado de calamidade pública decorrente de COVID-19, afastar a exigência de demonstração de adequação e compensação orçamentárias em relação à criação/expansão de programas públicos destinados ao enfrentamento do contexto de calamidade gerado pela disseminação de COVID-19”.

Ao que parece, a saída mais adequada, célere e menos onerosa, no entanto, seria uma movimentação normativa, seja pelo Congresso Nacional, seja pelo Poder Executivo, como já realizado em outras oportunidades. Cita-se, como exemplo, a LC nº 168/19 que, em função da adesão ao Parcelamento PERT-Simples, permitiu a opção retroativa a 1º de janeiro de 2018 para as empresas que não incorressem em vedações a referida data. Ou seja, opção retroativa ao ano calendário anterior ao da publicação da referida LC, em função do parcelamento especial.

É de se concluir que neste ano totalmente atípico e de consequências econômicas até aqui gravíssimas, em que os contribuintes navegam em um mar de incertezas jamais vistas desde a crise de 1929, se faz necessária as seguintes flexibilizações:

  1. A) Permissão para que se faça a opção pelo regime tributário do Simples Nacional com efeito retroativo a 1º de janeiro de 2020 para todas empresas que não incorram nas vedações previstas na LC nº 123/2006 na data da reabertura do prazo para a opção. Trata-se do mesmo instrumento do qual se valeu a LC nº 168/19, acima exemplificado;
  2. B) Possibilidade de alteração da Opção pelo Lucro Presumido para o Lucro Real e vice-versa, para empresas que já efetuaram suas opções e, no entanto, estas se tornaram inadequadas após o desencadeamento da crise, necessitando de uma readequação diante do novo contexto econômico.

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1 Artigo 16, § 2º da LC nº 123/2006, em relação ao Regime do Simples Nacional; Artigo13, § 1º da Lei nº 9.718/1998, quanto ao Lucro Presumido; Artigo 3º da Lei nº 9.430/1996 no que se refere ao Lucro Real.

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*Eléia Alvim Barbosa de Souza é advogada tributarista. Presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB/GO, sócia do Rodovalho Advogados.

*Marciel Augusto Raimundo Lima é contador, advogado, consultor tributário e sócio da Objetiva Edições Empresariais Ltda.

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