Por Marcos Freitas Pereira
Estamos vivendo um período muito peculiar do ponto de vista cultural. As notícias recém-divulgadas sobre as negociações de imóveis realizadas pela família Bolsonaro com dinheiro vivo demarcam uma diferença de interpretação e de aceitação da corrupção por parte da sociedade. Acho que filósofos, antropólogos e sociólogos devem ser debruçar sobre esse assunto.
Por enquanto, como economista e empresário, vou dar a minha opinião sobre o assunto.
Esse momento remete à história do Brasil e mais precisamente à história da corrupção do nosso país. Não é de hoje que a corrupção ronda o nosso dia a dia. Governos e governos têm sido acusados da prática de corrupção, desde o descobrimento do Brasil. Restringindo o horizonte, delimitando-se apenas ao período da redemocratização, após 1988, em todos os governos tivemos acusações de atos de corrupção.
O governo Collor sofreu impeachment por motivos de corrupção. Nos governos do Fernando Henrique Cardoso (PSDB), vários casos foram divulgados: corrupção nas privatizações das empresas estatais, a chamada “privataria tucana” e a aprovação da lei da reeleição através de compras dos votos dos parlamentares, dentre outros.
Nos governos do PT inúmeros casos de corrupção, dentre eles o “mensalão” e o “petrolão”.
O que nos chama a atenção é de que nesse período de quase 30 anos, da redemocratização até o 2018, os únicos casos de corrupção apurados e punidos foram os casos do governo do PT. Por dois motivos: o primeiro citarei agora, o segundo, no decorrer do artigo. O primeiro motivo foi que no governo do PT foram criadas as leis e as condições de apurar e punir a corrupção, não poderia ser diferente, pois o partido era o maior crítico antes de chegar ao poder. Leis como transparência, delação premiada, prisão após julgamento da 2a instância, a criação da CGU e fortalecimento e independência da Polícia Federal e do Ministério Público.
A sociedade brasileira foi impecável no combate à corrupção dos governos do PT, a mídia, a justiça e o povo foram intolerantes com a prática de corrupção desses governos ao ponto do impeachment da Dilma e a prisão do Lula. Apesar que o motivo do impeachment não foi exatamente a corrupção.
Com a chegada do Bolsonaro ao poder, a corrupção volta a ser interpretada e aceita da mesma maneira que era antes dos governos do PT, com menos resistência, com mais tolerância e pouca ou nenhuma apuração. Polícia Federal e Ministério Público são coniventes com o governo. Acusações de corrupção de rachadinha, corrupção nas compras de vacina no Ministério da Saúde, corrupção do orçamento secreto e corrupção no Ministério da Educação não foram e não estão sendo apuradas com o rigor e com a determinação que deveriam ser e principalmente da mesma forma que foram apuradas no governo do PT.
Voltando ao atual período que estamos vivendo, às vésperas de eleições, a imprensa divulga que em 107 transações imobiliárias da família Bolsonaro, 51 foram realizadas com espécie, dinheiro vivo, no total de R$ 26 milhões atualizados, bem acima dos vencimentos de todos os membros da família de profissionais da política brasileira. Sabemos que a compra de imóveis em dinheiro é um dos principais negócios para lavagem e ocultação de dinheiro. E o que impressiona é a aceitação e a tolerância da imprensa, das autoridades e dos eleitores a esse fato que indica que atos de corrupção, principalmente através das rachadinhas, podem ter sido a origem dos recursos. Está faltando indignação e repudia da nossa parte.
Para finalizar, volto para explicar o 2o motivo da falta de interesse de apuração e punição das corrupções antes dos governos do PT e agora no governo Bolsonaro.
Em toda a história de corrupção no Brasil de todos os governos, esses sempre representaram a elite da sociedade brasileira, a burguesia, exceto nos governos do PT que representou a classe trabalhadora.
A corrupção realizada pelos governos representando essa elite nunca foi alvo incisivo da imprensa e das autoridades, como se essa corrupção fosse a corrupção certa, como o nome desse artigo reflete.
A corrupção só foi alvo incisivo da imprensa e das autoridades quando ela ocorreu no seio de um governo que não representava a elite brasileira, a classe dominante, como se essa fosse a corrupção errada.
Isso demonstra que a nossa elite tem traços de preconceito, superioridade, escravocrata e até facista/nazista. Enquanto no poder, podem tudo para atingir seus interesses, fora do poder, fazem de tudo para reconquistá-lo, exemplos disso, foi impeachment da presidente Dilma e a prisão do ex-presidente Lula.
Esses dois últimos fatos não foram porque o país mudou e está mais resistente à corrupção, prova disso é o tratamento da corrupção no governo Bolsonaro, foram porque só a elite e seus representantes podem praticar a corrupção, “a corrupção certa” e ter a tolerância da mídia e da justiça.
Dia 02 de outubro está próximo, cabe a nós pensarmos e refletimos sobre essa nossa hipocrisia. E mais sobre os nossos atos diários com a nossa cultura corrupta de darmos um jeitinho em tudo. Somos ou não contra a corrupção?
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Natural de São Paulo, Marcos Freitas Pereira acumula mais de 25 anos de experiência de mercado. Doze destes anos foram como administrador em cargos de comando na Pousada do Rio Quente Resorts.
Exerceu as funções de Gerente de Orçamento e Finanças, Controller, Diretor Estatutário Administrativo Financeiro e Diretor de Relações com o Mercado. Além disso, dois anos como Diretor Superintendente, principal executivo da empresa.