Por Bruno Curado
Recentemente o produtor rural brasileiro se encontra em uma situação peculiar, insumos caros, quebra de safra e preços baixos, condição agravada pelo alto nível de endividamento com as Trading Companies e empresas fornecedoras de insumos através de Cédulas de Produto Rural.
Diferentemente de outras crises enfrentadas pelos produtores rurais onde o crédito fornecido se concentrava nas mãos do Banco do Brasil S/A, e os instrumentos contratuais utilizados eram em sua maioria as Cédulas de Crédito Rural e Notas de Crédito Rural, passíveis de regulações mais benéficas aos devedores, que concediam a possibilidade de alongamento das dívidas, hoje boa parte do passivo está fora do sistema financeiro nacional e distante das renegociações amparadas pela União.
Os produtores rurais ainda enfrentam dilemas de natureza jurídica, como o entendimento do Superior Tribunal de Justiça de que em regra o crédito concedido a ele não se sujeita ao Código de Defesa do Consumidor, bem como a discussão a respeito da previsão da Nova Lei do Agro de que a CPR Física com antecipação parcial ou integral de preço, ou representativa de operação de barter não se submete a Recuperação Judicial.
Porém, mesmo que diretamente o produtor rural não possa se socorrer ao amparo de legislações específicas como do Código de Defesa do Consumidor e em alguns caso não se aplique a Lei de Recuperação Judicial, é patente que a reestruturação de seus contratos não está fora do alcance do sistema legal brasileiro, podendo ser amparado pelas normas da Constituição Federal e do Código Civil aplicadas ao caso específico.
Lembrando que na ordem constitucional brasileira, a intervenção do Estado na economia não é excepcional, mas frequente e necessária, tanto para corrigir as falhas de mercado, como para promover objetivos basilares da Constituição Federal que o mercado não atende, como a promoção da igualdade material e da justiça social, de onde deriva o princípio do equilíbrio contratual.
A intervenção do Estado nas relações contratuais de natureza privada independe de ideologias políticas, e em especial por meio do judiciário é imprescindível para assegurar o equilíbrio contratual e socioeconômico da nação. O princípio do equilíbrio contratual redimensiona a liberdade de contratar, ao introduzir o controle de proporcionalidade ao contrato, reagindo tanto ao seu desequilíbrio originário – no momento da contratação, quanto ao superveniente – que surge durante a vigência do contrato.
Os princípios da nova teoria contratual – boa fé objetiva, função social dos contratos e equilíbrio econômico – estão presentes tanto nas relações entre desiguais (Código de Defesa do Consumidor), como nas estabelecidas entre iguais (Código Civil), o que significa que os produtores rurais podem se valer da possibilidade jurídica, mesmo que excepcional, de afastar ou mitigar os efeitos de cláusula contratual que gere onerosidade excessiva e evidente desequilíbrio nos contratos em que for signatário.
É necessário que seja observado holisticamente os contratos firmados pelos produtores rurais, não desprezando as consequências jurídicas, econômicas e sociais decorrentes de uma interpretação meramente baseada no princípio da pactu sunt servanda – da obrigatoriedade, mas trazendo para o foco da análise o desequilíbrio contratual em concreto. Trata-se de assegurar o equilíbrio contratual, sendo certo que neste componente reside a finalidade central da proteção outorgada pelo ordenamento jurídico brasileiro, em suma de uma análise dos artigos 317 e 478 do Código Civil, a partir do objetivo desequilíbrio do contrato.
Assim, neste brevíssimo relato sobre este tema merecedor de extensa análise, trago a reflexão de Haroldo Malheiros Verçosa[1], “O contrato não se configura como instrumento destinado a proteger o interesse de uma das partes que possa ter alguma ascendência sobre a outra, mas apto a proporcionar um vínculo equilibrado, segundo cada situação concreta.”
Bruno Cesar Pio Curado
OAB/GO 29.659
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Goiás – UFG, Pós-graduado em Direito Tributário pela UFG, cursando MBA em Agronegócios pela USP/ESALQ, Mestrando em Ciências Jurídico-Econômicas pela Universidade do Porto – Portugal. Advogado, membro das Comissões da OAB/GO de Direito Bancário e Comissão Especial do Direito do Agronegócio.
[1] Verçosa, Haroldo Malheiros Dulclerc. Contratos Mercantis e a Teoria Geral dos Contratos – O Código Civil de 2002 e a Crise do Contrato. São Paulo: Quartier Latin, 2010, p.25.