Por Vinicius Rios Bertuzzi
Desde o início da vigência da lei de recuperação judicial se discute sobre a possibilidade de associações civis sem fins lucrativos pedirem recuperação judicial, seja pelo exercício da atividade econômica seja pela inexistência de vedação legal. Diferentemente do ente público, o privado está autorizado a fazer o que a lei não proíbe.
Atualmente, a maioria esmagadora dos clubes de futebol da primeira e segunda divisões do Brasileirão são associações sem fins lucrativos (apesar de arrecadarem muitos recursos), enquanto na Europa, se levarmos em consideração a primeira divisão das cinco maiores ligas de futebol do continente, a maioria das equipes se organiza como clube-empresa.
Assim sendo, no caso do Brasil, mesmo clubes de futebol movimentando muito capital, a forma de sua constituição por associação sempre foi uma barreira para atrair novos investimentos, profissionalizar a gestão e, em caso de crise, pedir recuperação judicial.
Nesse contexto, a Lei nº 14.193, de 6 de agosto de 2021, instituiu a Sociedade Anônima do Futebol (SAF), no intuito de prever, dentre outros assuntos, meios de financiamento da atividade futebolística, tratamento dos passivos das entidades de práticas desportivas e regime tributário específico.
Após a regulamentação do tema, a SAF pode ser constituída de três formas: i) pela transformação do clube ou pessoa jurídica original em Sociedade Anônima do Futebol; ii) pela cisão do departamento de futebol do clube ou pessoa jurídica original e transferência do seu patrimônio relacionado à atividade futebol; ou iii) pela iniciativa de pessoa natural ou jurídica ou de fundo de investimento.
Nesses formatos, todos na espécie de clube-empresa, a SAF não responde pelas obrigações do clube ou pessoa jurídica original que a constituiu, anteriores ou posteriores à data de sua constituição, o que atrai muitos investidores para o negócio, exceto quanto às atividades específicas do seu objeto social, sendo que o clube poderá optar pela quitação das obrigações via regime centralizado de execuções ou através das recuperações judicial e extrajudicial.
A título de exemplo, destaco a recuperação judicial do Cruzeiro Esporte Clube, visto que no referido processo o Cruzeiro-Associação constituiu o Cruzeiro-SAF, o que possibilitou a celebração de um acordo de investimento com a Tara Sports, viabilizando a aprovação e cumprimento da proposta de pagamento apresentada a todos os credores do clube.
É a modernização na administração nos clubes sem perder a paixão pelo futebol.
Vinicius Rios Bertuzzi é sócio e coordenador jurídico do escritório full service Aluizio Ramos Advogados Associados, Administrador Judicial pela Escola Superior da Magistratura do Estado de Goiás (ESMEG) em conjunto com a Escola Superior da Advocacia (ESA-GO), possui LL.M (Master of Law) em Direito Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas (FGV/RJ) e atua em processos de recuperação judicial, falência, renegociação de dívidas e execução patrimonial.