Por Dov Gilvanci Levi Najman Sousa
Embora ainda que não oficialmente (pendente à votação do Colégio Eleitoral no dia 14/12/2020), e com o controle do Congresso Nacional, que poderá permanecer dividido entre os democratas na Câmara e os republicanos no Senado, Joe Biden já é apontado como o 46º presidente americano. Dado esses resultados, os mercados e investidores já estão olhando para 2021, havendo consenso entre os gestores de grandes assets globais de que há ótimas oportunidades de investimento entre as diferentes classes de ativos.
1. Contexto
As indicações atuais são de que o Congresso dos EUA pode permanecer dividido em 2021. Os republicanos parecem ter superado o cenário da onda azul. E enquanto algumas eleições ainda estão muito perto de serem convocadas ou estão caminhando para segundo turno, o Partido Republicano (também conhecido como Grand Old Party-GOP) tem uma boa chance de manter o controle do Senado, embora por uma margem menor do que sua atual maioria de 53-47. Ademais, apesar do avanço dos números de cadeiras na Câmara por parte dos republicanos, os democratas ainda serão maioria, conforme o esperado.
Com um governo dividido em 2021, é altamente improvável que o imposto de renda de pessoas físicas, empresas e sobre ganho de capital sofram aumento, algo que os mercados de ações estão torcendo no ambiente pós-eleitoral.
Entretanto, há a dúvida se haverá outro gigantesco pacote de ajuda financeira para empresas e indivíduos, considerando a explosão do déficit publico em 2020 em função do COVID-19.
O banco de investimentos Goldman Sachs projeta então, como cenário base, um montante de cerca de US$1 trilhão de estimulo fiscal, o que é pouco menos que 5% do PIB americano. O banco lista cinco itens passiveis de avanço neste pacote, considerando Biden na Casa Branca e o Senado controlado pelos Republicanos:
- Expansão de quem poderá receber e duração do seguro desemprego, estendendo o pagamento semanal em torno de US$400;
- Nova rodada de empréstimos para as empresas e incentivos fiscais;
- Auxilio para governos locais e estaduais;
- Financiamento adicional para o PPP (programa de proteção à folha de pagamento);
- Rodada adicional de pagamentos a indivíduos.
Embora haja claros sinais positivos para a economia e os mercados financeiros decorrentes desse resultado, também existem algumas desvantagens no horizonte de curto prazo.
2. Implicações no curto prazo
A forte perspectiva de um governo dividido parece ter produzido um resultado benigno para os mercados financeiros, que nunca se importaram com o impasse político. Na verdade, o Índice VIX, um dos principais indicador da volatilidade do mercado de ações, caiu após a eleição, apesar da incerteza contínua em torno dos resultados.
Os mercados financeiros parecem estar olhando para além da incerteza eleitoral e estão se concentrando em fatores fundamentais mensuráveis, como valuation das empresas, dinâmica estrutural, inflação e déficit publico. São exatamente esses fatores – e não a composição do governo federal – que tendem a impulsionar os retornos dos investimentos de longo prazo.
Isso é demonstrado pela queda acentuada do rendimento dos títulos de divida emitida pelo Tesouro Americano com vencimento em 10 anos que no dia da eleição pagava uma taxa de 0,90%, apresentando posteriormente uma queda de mais de 10%, levando a taxa a um nível abaixo de 0,80%. Em tempos de crise econômica e forte volatilidade, tais títulos são o porto seguro para investidores de todo o mundo.
Destaque-se adicionalmente que qualquer pacote financeiro para ajudar empresas e cidadãos, deverá ser bem mais modesto sob um governo dividido. Diferentemente do ocorrido na eleição de 2016, essa eleição provocou relativamente pouca volatilidade no mercado de ações e os investidores parecem considerar o resultado – na medida em que é atualmente conhecido – como benigno. Os preços das ações nos EUA subiram após a eleição, com as techs companies com performance bem acima das demais e o dólar americano caiu em relação às moedas dos mercados desenvolvidos e emergentes, indicando que possíveis gastos mais elevados e uma política comercial mais previsível sob Biden iriam, no balanço, empurrar o dólar para baixo.
3. Pontos de atenção
Os principais Gestores e tomadores de decisão em administração de portfolios, destacam os pontos que devem ser acompanhados de perto:
3.1 Alívio fiscal de curto prazo e uma vacina contra o coronavírus
O estímulo fiscal provavelmente será a primeira coisa a fazer no novo governo Biden, especialmente porque antes das eleições não houve acordo entre a Casa Branca e os Republicanos pra aprovar novo pacote de estímulos, agora é possível que isso seja aprovado até 2ª quinzena de janeiro. Esse pacote será essencial para impulsionar o crescimento econômico, o que poderá ter como estimulo complementar a chegada de uma ou mais vacinas contra o COVID19, permitindo o retorno da sociedade à normalidade e impulsionando os mercados e à produção econômica a uma nova retomada.
3.2 Políticas regulatórias e tributárias
Com o Senado nas mãos dos republicanos, o presidente Biden pode tentar aprovar mais de sua agenda por meio de ações executivas, incluindo políticas regulatórias mais rígidas em áreas como energia e serviços financeiros. A infraestrutura pode ser outra área de compromisso bipartidário, embora o controle do Senado republicano possa impedir qualquer aumento de impostos para pagar novos gastos.
3.3 Política monetária
Embora os gastos fiscais, as questões regulatórias e tributação dependam da composição partidária, a política monetária geralmente não depende. Espera-se que o Banco Central (Federal Reserve-FED) mantenha sua política monetária mais expansionista e apoio incondicional à liquidez do mercado ao longo de 2021. Uma virada repentina na politica monetária pelo Fed parece improvável.
3.4. Comércio e política externa
Embora o ceticismo sobre a globalização seja generalizado e cada vez mais bipartidário, é possível que a política comercial seja mais previsível com Biden na Casa Branca, com maior ênfase na ação multilateral e na cooperação global. As tarifas existentes podem permanecer, entretanto, especialmente aquelas aplicadas às importações da China, mas valendo-se da OMC.
3.5 Considerações ambientais, sociais e de governança (ESG)
É possível que o governo Biden criará um ambiente regulatório mais amigável para investidores e emissores com políticas focadas em mudanças climáticas (inclusive com readmissão no Acordo de Paris), redução de carbono e desigualdade de renda.
4. Implicações para portfólios de investimentos
Os fundamentos macroeconômicos são mais importantes do que a política quando se trata de mercados financeiros, entretanto segundo gestores de portfolios há algumas oportunidades que surgem do novo cenário político dos EUA:
• Ações e crédito: energia renovável, eletrificação de automóveis, infraestrutura e empresas com grande exposição internacional podem se beneficiar das políticas Biden, dadas as mudanças esperadas na política regulatória e comercial.
• Renda fixa: Novo estímulo fiscal, se acontecer, apoiaria a economia e sustentaria o comércio, levando a um dólar americano mais fraco e desempenho superior do TIPS (títulos do tesouro atrelados a inflação); a dívida dos mercados emergentes poderia se beneficiar de menos incertezas relacionadas às tarifas e da valorização das moedas.
• Ativos imobiliários: os recursos naturais devem se beneficiar, incluindo florestas, investimentos em infraestrutura vinculados à sustentabilidade e às mudanças climáticas e imóveis industriais voltados para a produção nacional.
5. Opinião de Portfolio Managers sobre os efeitos nos mercados emergentes
A presidência de Joe Biden, tendo um Senado controlado pelos republicanos, pode ser exatamente o que os mercados emergentes precisam. Embora o democrata seja visto perseguindo políticas que conduzam ao comércio e ao meio ambiente, ele pode ser impedido por um Congresso dividido em promover uma “bazuca fiscal”. Isso significa mais exportações e crescimento mais rápido para os países em desenvolvimento, bem como um impulso para ativos de maior volatilidade e um Federal Reserve mais acomodatício, de acordo com investidores e analistas.
Segundo Charles Robertson, economista-chefe global da Renaissance Capital em Londres, no que diz respeito aos mercados emergentes, é indiscutivelmente a melhor notícia desde o ataque de cólera de 2013 e o colapso dos preços das commodities de 2014. A dívida e as moedas dos mercados emergentes devem ter um desempenho muito bom. O grande problema nos últimos anos foi a força do dólar impulsionada em parte pelo protecionismo de Trump. Menos guerras comerciais devem reduzir a oferta de dólares, permitindo a valorização da moeda e melhorando o peso da dívida externa em relação ao produto interno bruto.
Já segundo Simon Harvey, da Money Europe em Londres, algumas moedas apresentarão um desempenho superior – notadamente o peso mexicano e o yuan chinês – devido a um risco comercial reduzido, ocasionando um aumento marginal no apetite de risco. Moedas de mercados emergentes também receberão ventos favoráveis de rendimentos mais baixos dos EUA e expectativas prolongadas da política de normalização do Fed. Cenário esse que favorece tanto o Rand Sul-africano e as moedas latino-americanas.
Magdalena Polan, economista global de mercados emergentes na Legal & General Investment Management em Londres, afirmou que o mercado espera conviver com o presidente Biden e sua equipe possivelmente serão devem ser mais previsíveis do que Trump e mais propensos à uma agenda multilateral. Mas as tentativas de limitar o impacto da China na economia dos EUA provavelmente continuarão, visto que são bipartidários.
Dada a provável obstrução republicana no Senado, a política fiscal dos EUA será muito menos estimulante no curto prazo. Contexto esse que deve se repetir na lógica de longo prazo, pois um New Deal Verde e investimentos significativos em infraestrutura são menos prováveis de acontecer. Como resultado, a trajetória de crescimento dos EUA será mais modesta do que em um eventual cenário de onda azul. A política comercial dos EUA mudará.
Efeito sobre o Brasil
Segundo Marcelo Fonseca, economista-chefe do Opportunity Total, o Brasil não está isolado e se beneficiará em um ambiente que favorece commodities e ativos que dependem de China. Entretanto, os desafios domésticos são tão gritantes que o ambiente internacional acaba sendo secundário, embora importante. Na visão dele, o principal problema é fiscal, pois a curva de juros continua precificando ciclo agressivo de alta de juros começando nos próximos meses, com vértices nos papeis mais longos do Tesouro em quase dois dígitos e o câmbio muito depreciado.
Também de acordo com o Luiz Stuhlberger, gestor da Verde Asset, é como se o país andasse em círculos e sempre retornasse ao ponto de partida, mas com uma dívida mais alta, e os mesmos problemas na qualidade dos serviços públicos e no atendimento das demandas da sociedade. Em sua visão, ele afirma que quanto mais conseguirmos racionalizar o uso de recursos no setor público, mais poderemos fazer do ponto de vista da diminuição da pobreza que assola o país. Para isso, há que se acabar com todos os privilégios anacrônicos, não apenas de corporações do setor público, mas de segmentos do setor privado, que drenam recursos da sociedade em benefício próprio à despeito do todo, em particular dos mais pobres.
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Dov Gilvanci Levi Najman Sousa é ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) do Ministério da Fazenda, Conselheiro Tributário da Confederação Nacional da Industria-CONTRIF/CNI, CIO da Zahav Investments BVI e CEO da Gennesys Outsourcing Services.