Na tradição cristã, a quarta-feira de cinzas é um dia de reflexão, contrição e ponderação a respeito do caráter passageiro e efêmero da vida. É hora de se preparar para o período da Quaresma com todos os seus significados e ritos. Já na tradição pagã, o fim do carnaval diz mais respeito à ressaca propriamente dita e a uma forma específica de reflexão, no caso aquela acerca dos excessos  prazeirosamente cometidos durante o carnaval. Nos dois casos, no entanto, o convite a ser feito ao convertido ou ao folião é o mesmo: a mudança de vida.

As cinzas da quarta-feira podem ainda evocar um outro mito, nesse caso egípcio, segundo o qual a ave Fênix, depois de reduzida a pó, ressurge ainda mais exuberante e altiva. O que não falta, portanto, é modelo no qual nos espelharmos. E se arregar as mangas pode ser melhor com alguma forma de incentivo, acabaram-se as desculpas para retardar o trabalho árduo e para que as rédeas de 2020 sejam assumidas com vigor.

A tristemente infame tradição brasileira da procrastinação é coroada com a visão, não menos comum, de que o calendário nacional só assume de vez as responsabilidades do ano corrente quando o confete carnavalesco vai enfim parar na lixeira. Todos sabemos que o universo corporativo, exercido entre  projeções, planejamento e execução não para de pé se racionar dessa forma, mas é difícil não ser, ao menos em parte, contaminado por essa lógica postergatória.

Gestão assertiva que se preza não ignora os feriados existentes no ano, mas tem especial atração em folhear o calendário e se debruçar pelos meses seguintes, isto é, antever as necessidades e planejar cuidadosamente os passos necessários para cada período, com um roteiro degrau a degrau para que a caminhada pareça e de fato seja menos longa. Muito se fala, no meio empresarial, sobre como a produtividade é a mola mestra de um empreendimento de sucesso. Mas não há alta produtividade que resista se a execução do planejamento de um ano for deixada para fins de fevereiro ou início de março.

Da mesma forma que uma dieta, para dar certo, não precisa ser iniciada na segunda-feira, mas sim ser exercida com compromisso e responsabilidade, um ano com resultados abundantes não necessariamente precisa ser começado depois que o Rei Momo carnavalesco volta a se sentar no trono. A bem da verdade, o 2020 dos sonhos deveria ter sido planejado pelo menos a partir de setembro ou outubro de 2019. Mas nem tudo está perdido para os menos previdentes. Inês ainda não é morta e a performance profissional ou empresarial buscada fica mais perto de ser realizada se o período pós-carnaval, nos próximos 10 meses, for vivenciado com objetividade, proatividade e, sobretudo, clareza sobre onde se quer chegar. Ainda há tempo de ajustar velas e ganhar velocidade.

Para os que temos foco nos resultados, é fundamental não se esquecer que os dias de descanso ou folia são, sim, necessários. Mas convém também sempre se lembrar de algo não menos importante, o aviso de que todo carnaval tem seu fim e de que é preciso se planejar no semestre anterior para que o ano de fato comece bem antes de março. Aos que se esqueceram disso, feliz ano novo!