Sentimentos de esgotamento, exaustão de energia, aumento da apatia com o trabalho, eficácia reduzida e negativismo ou cinismo com a rotina profissional. Essas são algumas das características que definem o burnout, ou síndrome do esgotamento profissional, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Desde 1º de janeiro, uma nova classificação da entidade define o problema ocupacional.
A mudança na 11ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-11) confere ao transtorno a característica de estar diretamente ligado ao trabalho. Segundo a Organização, trata-se de uma síndrome resultante de “um estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com êxito”.
Segundo o psiquiatra Rodrigo Bressan, livre-docente da Escola Paulista de Medicina (UNIFESP) e do King’s College London, ambientes de trabalho tóxicos são decisivos para levar profissionais ao desenvolvimento da síndrome.
“Um ponto chave é que a síndrome é puramente ocupacional, ela se desenvolve a partir do ambiente profissional. Está associada a um ambiente com alta demanda e poucos feedbacks”, afirma.
Ambientes em que existe um senso de propósito alto, aliado a intensa dedicação, também têm sido associados ao burnout, de acordo com Bressan. “São locais com uma demanda intensa, que acabam drenando energia, o que acaba levando as pessoas ao esgotamento”. Esse cenário, segundo ele, exige ainda mais cuidado por parte dos empregadores em relação ao bem-estar dos funcionários.
Resposta cosmética
Para Bressan, poucas empresas de fato têm levado a sério o tema da saúde mental e cuidado da experiência de trabalho como um todo. “As companhias, em geral, dão uma resposta cosmética a esse problema. Empresas que são sérias cuidam e apoiam seu capital humano, e olham para o sentido e o propósito do trabalho.”
Um estudo recente produzido pela The School of Life, em parceria com a Robert Half, mostra como a necessidade de sentido no trabalho tem se tornado mais prioritária para os liderados. Quando perguntados sobre os principais impactos da pandemia na saúde mental, ansiedade (64%) e desânimo (51,79%) são os aspectos mais citados por funcionários de empresas. Do ponto de vista das lideranças, além de ansiedade (63%), o estresse (47,64%) é o segundo impacto mais sentido.
Pandemia de burnout?
Apesar da mudança da OMS em relação ao burnout ter sido programada há dois anos, ela entra em vigor em um momento propício, em que empresas e trabalhadores vivem sob o estresse adicional da pandemia de covid-19 – a crise sanitária fez com que o setor corporativo prestasse muito mais atenção à saúde mental.
Bruno Haddad, CEO da DaVita, empresa global do setor de saúde, conta que passou a adotar medidas mais abrangentes relacionadas à saúde mental desde a chegada da covid-19.
“Nos últimos 24 meses, começamos a identificar mais problemas – colaboradores que passavam a faltar no trabalho, nível de atestados que subia e até um impacto na operação da empresa.”
O executivo conta que, somente no mês de dezembro de 2021, a companhia contabilizou cerca de 500 afastamentos relacionados a problemas de ordem mental, em um universo de 5 mil funcionários. “Infelizmente, isso tem sido frequente”, conta.
Diante do cenário, a DaVita, em nível internacional, criou um programa de apoio abrangente aos funcionários.
“São três pilares: apoio psicológico, que envolve tanto os trabalhadores quanto seus familiares; apoio jurídico, relacionado a problemas que possam surgir da pandemia; e apoio financeiro, para alguma questão referente à crise.”
A companhia também passou a oferecer suporte online para todos os trabalhadores e treinamento para os cargos de liderança, focado em gestão de crise e estresse. “Atravessar esse cenário é um aprendizado para os líderes”, diz.
O que muda do ponto de vista jurídico
Na prática, a alteração feita pela OMS sinaliza que os profissionais com o burnout terão os mesmos direitos que aqueles que sofrem com outras doenças ocupacionais. “O que muda é que o burnout passa a ser diretamente ligado ao trabalho, o que não acontece com outras síndromes ou transtornos mentais, como depressão”, explica o advogado trabalhista Peterson Murta, do L.O Baptista.
“As empresas precisam entender o seguinte: as pessoas que estão à frente das equipes precisam ficar atentas aos seus liderados. A partir do momento que eles perceberem um nível de estresse ou de acúmulo de trabalho muito alto, é preciso tomar medidas para evitar situações mais extremas, como um afastamento ou uma ação trabalhista”, explica Murta.
Em casos de afastamento, os trabalhadores com a síndrome do esgotamento terão direito a licença remunerada. Em períodos superiores a 15 dias, o funcionário poderá ter o direito de benefício previdenciário pago pelo INSS.
“No caso de indenizações, é preciso ter um conjunto de provas mostrando que a empresa não tomou as medidas de precaução necessárias para proporcionar um ambiente saudável ao empregado. Reunindo esses pontos, as companhias correm o risco de serem condenadas a pagar indenizações por danos morais”, acrescenta o advogado.
Márcio Suttile, do escritório Suttile & Vaciski, lista alguns fatores que podem levar a uma responsabilização da empresa: exigências de entrega de trabalho fora de prazos razoáveis, aumento da demanda sem aumento da mão de obra, e determinação de metas inatingíveis. “Os RHs das empresas terão que ter sensibilidade para observar a forma como coordenadores e chefias conduzem as suas demandas”, diz.
“É preciso ser razoável e ter bom senso. A empresa também precisa desenvolver empatia. Todo mundo ganha, inclusive o empregador”.
Com informações Época Negócios