Por Marcello Guimarães
Diante da pandemia do novo coronavírus, os tribunais arbitrais e todas as demais partes envolvidas nos procedimentos de arbitragem, necessitaram implementar, e se adaptar, a algumas mudanças práticas muito relevantes. Sem ter a ambição de vaticinar o que será para sempre ou o novo normal em matéria de audiências arbitrais e sua dinâmica, se propõe compartilhar um olhar prático sobre o desenrolar do tema que é de suma importância para a solução de conflitos privados.
Apesar das dificuldades inerentes ao período atual, pode-se dizer que os tribunais arbitrais se adaptaram muito bem aos obstáculos, propondo soluções viáveis, seguras e práticas em um curto espaço de tempo. A adesão necessária ao mundo digital permitiu aos envolvidos entender que os procedimentos são seguros e proporcionam maior agilidade, o que é um bom indicador de que tais práticas se manterão mesmo após a pandemia.
Embora a tecnologia esteja sendo utilizada, muitas dúvidas surgiram como na sistemática que deve ser livre e espontânea do chamado hot tubbing ou em português, banheira quente, que é uma espécie de pinga fogo onde os assistentes técnicos das partes em matéria probatória fazem um tipo de duelo não combinado que permite ao painel tribunal por meio de tal técnica extrair a verdade dos fatos, e como se supõe isso apresenta desafios em um ambiente virtual onde a técnica pode restar prejudicada a medida em que problemas de ordem técnica podem criar obstáculos ao bom desenvolvimento da ferramenta.
Assim, é preciso manter as arbitragens avançando, cercadas de confiança no sistema. Para isso, é preciso adequar as técnicas de prova ao cenário concreto das audiências com várias janelas em computador reunindo todos os participantes.
A implementação de procedimentos digitais, em substituição aos protocolos físicos, foi um recurso extremamente explorado pelos tribunais. Apesar de anteriormente o protocolo eletrônico já ser bastante comum, a disponibilização de petições, manifestações e laudos em nuvens previamente especificadas ganha cada vez mais força e tende a substituir os procedimentos presenciais. Como já dito, possibilita entre outras coisas, um acesso mais democrático para a advocacia onde advogados de locais mais remotos podem fazer sustentações orais na defesa de seus clientes e com isso equilibrar o jogo com os grandes centros que aglomeram muito mais advogados, e isso, é sim muito bom. As plataformas ganham força, e também oferecem salas de pausa virtuais e recursos de chat privado, tanto para conversas individuais quanto em grupo.
As audiências também passaram por um processo de digitalização, ocorrendo remotamente. O processo, que já acontecia em casos excepcionais, como quando testemunhas não poderiam comparecer presencialmente por qualquer razão, vem ocorrendo durante a pandemia via plataformas digitais de videoconferência. Tal adaptação garante a continuidade dos processos arbitrais e tem sido um grande facilitador, reduzindo inclusive custos com deslocamentos.
As reuniões entre as equipes periciais e os assistentes técnicos das partes, assim como as audiências, vêm ocorrendo de forma remota, o que permite maior celeridade ao processo. No entanto, o distanciamento social necessário frente à pandemia do COVID-19 afeta, em parte, as perícias. As visitas técnicas, muitas vezes imprescindíveis à resolução da controvérsia, para verificação do estado atual da coisa não têm ocorrido, de maneira que, dependendo do objeto em disputa, há um considerável impacto no cronograma pericial e, consequentemente, arbitral e prejuízo da qualidade da prova. Por outro lado, felizmente, os tribunais são de altíssimo nível e enfrentam com cautelas, prudência e sabedoria como superar tais óbices.
Uma questão que se coloca é se os árbitros podem prosseguir com a audiência virtual se uma ou ambas as partes objetarem.
Pode-se argumentar que uma audiência face a face é necessária para que uma parte apresente seu caso de maneira completa. Indiscutivelmente, o interrogatório de uma testemunha é melhor conduzido pessoalmente, a fim de ver a expressão facial e a linguagem corporal da testemunha para testar sua credibilidade. Contudo, a pandemia pode significar que não é possível realizar uma audiência face a face em um tempo razoável. Esperar até que isso se torne possível pode causar atrasos prejudiciais no processo de arbitragem. Os árbitros devem considerar cuidadosamente e equilibrar o direito das partes de apresentar seu caso e o dever primordial dos árbitros de conduzir a arbitragem de maneira rápida e econômica.
Os custos associados às audiências virtuais são relativamente baixos, especialmente quando as economias obtidas ao evitar os custos de viagens são levadas em consideração. Mas, é importante lembrar que as audiências virtuais não serão apropriadas em todas as circunstâncias.
Em relação à confidencialidade, a segurança cibernética é crucial na arbitragem, pois disso depende a credibilidade e a integridade do processo de resolução de disputas. Quando uma audiência de arbitragem é conduzida virtualmente, é importante que os árbitros consultem as partes com o objetivo de implementar um protocolo cibernético para cumprir todos os regulamentos de privacidade de dados aplicáveis.
A crise atual cria uma necessidade para as empresas e seus representantes legais considerarem cuidadosamente as opções alternativas e apropriadas para a resolução eficiente, oportuna e econômica de disputas. Eles podem precisar se concentrar em reconstruir seu relacionamento comercial, renegociar o contrato ou encontrar caminhos alternativos para resolver seus conflitos, em vez de insistir na aplicação estrita dos termos contratuais. Isso pode levar a mais demanda por mediação, conciliação, dispute boards e outros métodos amigáveis de resolução de disputas.
A prova técnica é uma parte muito importante do procedimento arbitral, mas não é tudo. Nesse sentido, a urbanidade, o relacionamento respeitoso e até cordialidade entre todos os agentes envolvidos, sobretudo advogados e partes deve, modestamente, a nosso ver ser cooperativo e construtivo, pois a discussão ou como preferem alguns, a briga, é nos autos e não entre as pessoas. Os tempos de pandemia por vezes se assemelham à ira nos tempos do cólera, quando o melhor seria trazer a beleza que tão bem capturou Gabriel García Márquez, em “O amor nos tempos do cólera”, pois um pouco de temperança, calma e apreço pelas pessoas e a cordialidade trazem melhores resultados para todos os envolvidos e sobretudo para o deslinde da controvérsia, no lugar das eventuais retóricas agressivas como técnica de convencimento e persuasão. Em sua grande maioria, a sociedade não é composta de surdos, e decibéis a mais não são técnicas de convencimento, mas de grosseria mesmo.
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Marcello Guimarães é presidente da SWOT Global Consulting