O Projeto de Lei nº 437/2017, aprovado no final de maio em segundo turno no plenário da Câmara Municipal de Goiânia, estabelece a reutilização das águas provenientes das chuvas nas novas construções de prédios, condomínios fechados, conjuntos habitacionais, clubes e empresas de médio e grande porte na capital. De acordo com os autores da proposta, o vereador Lucas Kitão (PSL) e o ex-vereador Gustavo Cruvinel, o reaproveitamento contribui para evitar o desperdício e preservar a água, que é um recurso natural limitado. O projeto aguarda sanção do prefeito.
Os novos empreendimentos deverão contar com um reservatório para armazenar a água captada em telhados, terraços, coberturas e pavimentos descobertos. Essa água pode ser reaproveitada para diversas formas de uso não potável, como irrigação de jardins, limpeza de pisos, piscinas, calçadas e veículos, e ainda na descarga de vasos sanitários. Os donos de imóveis já edificados poderão receber incentivos, descontos ou isenções fiscais da Prefeitura caso se adaptem à proposta.
Antes de se tornar lei em Goiânia, o aproveitamento de águas pluviais já vem sendo adotado em diversos lugares do mundo como uma das práticas sustentáveis de maior impacto positivo na preservação do meio ambiente. Na província de Gansu, na China, mais de 10 milhões de pessoas utilizam a água da chuva como importante complemento de abastecimento para uso não potável no dia a dia, o que representa quase metade da população da região, que tem 26 milhões de habitantes. Mais de um milhão de casas na Austrália fazem o armazenamento da água da chuva, prática também bastante disseminada em países da África Subsaariana, no Egito e em Bangladesh.
Em Goiânia, empresas como a Consciente Construtora se adiantaram à lei e já adotam medidas para estimular a captação da água da chuva em seus empreendimentos. No Planet Consciente Garden, no Setor Bueno, por exemplo, o sistema de reaproveitamento de água inclui não apenas as águas das chuvas, mas também as gotas residuais do aparelho de ar condicionado das áreas comuns. O excedente dessas águas é aproveitado na irrigação dos jardins e também na irrigação de jardins, limpeza de pisos, piscinas e calçadas, como explica Marco Cade, gerente de Projeto, Planejamento e Controle da Consciente.
“No caso do Planet, quando chove, a água excedente armazenada nos reservatórios é destinada para irrigar os jardins, em um processo que é feito de forma automatizada. A água captada do ar condicionado também é reaproveitada neste mesmo sistema. O Planet conta com quase 640 m² de áreas verdes, e suas diversas praças possuem, ao todo, 25 árvores frutíferas. Então, o reaproveitamento da água para fazer a irrigação dessas áreas representa uma grande economia”, explica Marco.
A tecnologia presente no Planet Consciente Garden extrapola as exigências previstas no projeto de lei goianiense e também prevê o direcionamento do excedente não aproveitado para o lençol freático. Essa prática colabora para a manutenção da boa qualidade do lençol freático, que é um reservatório subterrâneo de águas oriundas da chuva – infiltradas no solo por meio de rachaduras ou fissuras – e atua como aquífero natural, contribuindo para a preservação dos recursos hídricos. A quantidade de áreas impermeáveis das grandes cidades muitas vezes impede que essa água alcance o lençol freático.
“A água da chuva é canalizada para abastecer o lençol freático, que é uma ação muito relevante para o ecossistema de toda a cidade. Quando a água da chuva, que geralmente iria para galerias pluviais, é destinada para alimentar o lençol freático, estamos contribuindo para evitar enchentes e também para manter a saúde desse lençol, que nas grandes cidades é muito prejudicado pela grande quantidade de solo impermeável”, complementa o gerente.
Prática milenar pode ajudar o futuro
Embora a importância e as vantagens de se reaproveitar as águas pluviais tenham voltado à pauta do dia das grandes cidades apenas nos últimos anos, a prática é uma das mais antigas da história da Humanidade, com indícios de que tenha surgido ainda no final do período Neolítico, aproximadamente 4 mil anos antes de Cristo. Quando povos da África, Ásia, Europa e das Américas começaram a abandonar a vida nômade para se dedicar ao cultivo de plantas e vegetais, o desenvolvimento da agricultura foi acompanhado pelo armazenamento da água da chuva em cisternas subterrâneas, para uso posterior em casa e na irrigação.
Estudos internacionais apontam que o armazenamento e o aproveitamento de água da chuva são fundamentais no mundo atual, em que 1,2 bilhão de pessoas não têm acesso à água potável, e podem se tornar ainda mais cruciais em um futuro breve, com o avanço do aquecimento global e das mudanças climáticas. No Oeste Americano, o estado do Arizona já encara a possibilidade de recorrer a um sério racionamento de água, enquanto o Colorado está “anormalmente seco”, de acordo com o Controle de Secas dos Estados Unidos. O principal receio de especialistas é que as secas temporárias possam dar lugar a um processo de “aridificação” permanente e irreversível desses lugares.