A realidade vigente dos chamados crimes passionais

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"Tanto a emoção quanto a paixão não excluem a imputabilidade do agente", leia no artigo de Marcelo Di Rezende (Foto: Pexels)

Por Marcelo Di Rezende

Derivado do latim passionalis, de passio (paixão), como queiram, é a expressão crime passional ou homicídio passional utilizada na terminologia jurídica para designar o ato que se comete por paixão.

Assim, no nosso modesto entender, é derivado de qualquer fato que produza na pessoa emoção intensa e prolongada, ou simplesmente paixão, não aquela de que descrevem os poetas, a paixão pura, mas paixão embebida de ciúme, de posse, embebida pela incapacidade de aceitação do fim de um relacionamento amoroso, que tanto pode vir do amor como do ódio, da ira e da própria mágoa.

É preciso reconhecer também que, em matéria de política repressiva a essa forma de conduta violenta, já há muito temos que o Código Penal rompeu com uma prática jurídica anterior, qual seja, de isenção de pena para o agente que tivesse praticado o fato sob a influência de “completa perturbação dos sentidos e da inteligência”, o que era, por muitos, considerada como uma “válvula de impunidade” dos homicidas passionais.

É claro que não podermos negar a existência da influência machista de nossa sociedade em décadas pretéritas; entretanto, não podemos também concordar com o entendimento de que somente era o homem quem poderia “defender a sua honra”, pois é fato que esta mesma sociedade machista nunca havia se acostumado com a ideia da infidelidade como um todo, seja feminina ou masculina, pois entendiam, como de fato entendem até os dias atuais que, a infidelidade causa ofensa à moral e à honra.

Não há dúvidas de que hoje a utilização da tese da legítima defesa da honra ainda não esteja superada por completo, vez que ela ainda é aplicada, principalmente nos rincões de cada Estado, onde a dita “honra” pode ser levada a estes casos extremos, ou seja, popularmente conhecido o termo “lavando a honra com sangue”.

Não há dúvidas de que o homicida passional pratica o crime motivado pelo ciúme, egocentrismo, possessividade, prepotência e até vaidade, o que leva a um irresistível desejo de vingança, ao passo que, consumado o delito, o sentimento que o mortifica é o da perda, da desonra, de indignidade, de repúdio e do inconformismo que o faz matar para impedir que seu companheiro se liberte e siga sua vida de forma independente, dizendo em sua defesa, para ser absolvido pelo Tribunal do Júri, que foi compelido a tal ato pois se encontrava em estado de “violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação da vítima”.

Resumindo, para o direito penal moderno, a regra que vige atualmente é esta: tanto a emoção quanto a paixão (a primeira, uma manifestação do psiquismo ou da consciência humana mais fugaz e passageira, a segunda mais duradoura e prolongada), não excluem a imputabilidade do agente.

Assim, o bem jurídico maior – segurança coletiva, não pode transigir com a ideia de eventual e completa absolvição do homicida passional, mesmo nos casos de ter o agente se conduzido sob a influência de forte emoção ou paixão. O “Matei por amor”, frase dita por Raul Fernandes do Amaral, o Doca Street, já há muito foi substituída pelo slogan “Quem ama não mata”.

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Marcelo Di Rezende é advogado, Mestre em Direito, Professor universitário de graduação e pós-graduação, Autor do livro A Aplicabilidade das Decisões da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Brasil.

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