Por Dedierre Gonçalves
Antes mesmo de tratarmos diretamente da desconsideração, é necessário compreender o que seria a tal personalidade jurídica, a PJ, que tanto comentamos em nosso dia a dia. Pois bem, a personalidade jurídica da empresa é criada exatamente a fim de viabilizar uma atuação separada da exercida pela pessoa (física) em si, com fundamentos, objetivos e patrimônios próprios da empresa.
Assim, dizemos que a personalidade jurídica cria um véu entre o patrimônio da pessoa (física) do sócio e o patrimônio da própria empresa, trazendo então segurança para ambas as partes.
No entanto, algumas pessoas se utilizam deste véu que separam as personalidades para realizarem uma desvirtuação do instituto, abusando e ainda criando uma enorme confusão dos patrimônios. Este seria, em síntese, o principal motivo que justificaria a chamada desconsideração da personalidade jurídica, conforme dispõe o artigo 50 do Código Civil. O Prof. Flávio Tartuce (2020) ainda esclarece que “tal instituto permite ao juiz não mais considerar os efeitos da personificação da sociedade para atingir e vincular responsabilidades dos sócios, com intuito de impedir a consumação de fraudes e abusos por eles cometidos”.
Logo, tem-se que a desconsideração da personalidade jurídica, ou seja, a retirada do véu entre a pessoa do sócio e a empresa, via de regra é utilizada como uma forma de responsabilização e penalização dos sócios que se utilizam de atos arbitrários e escusos e ferem essa proteção patrimonial.
Desta forma, a desconsideração da PJ rotineiramente teve um estigma, pois induziria a existência de abusos dos sócios. No entanto, seria possível uma desconsideração favorável aos sócios?
É exatamente neste sentido que o Superior Tribunal de Justiça decidiu ao julgar o REsp nº 1.514.567 em março desde ano (2023). No caso em debate, o sócio da empresa morava em imóvel que fazia parte do patrimônio da empresa, local em que inclusive funcionaria a sede, sendo, contudo, o único imóvel de residência do referido sócio, inclusive antes mesmo dos atos executórios.
A relatora do caso, Ministra Isabel Gallotti, pontou que apesar da Lei 8.009/1990, que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, conferir proteção apenas ao imóvel residencial, já há precedentes do STJ que reconheceram a impenhorabilidade de imóveis pertencentes à empresa, desde que comprovado que os sócios neles residem.
Desta feita, o julgamento efetivou a chamada desconsideração da personalidade jurídica positiva, possibilitando a realização da desconsideração em favor do sócio residente em imóvel da empresa, aplicando-se a impenhorabilidade do bem de família e então impedindo o prosseguimento dos atos executivos sobre tal bem.
Contudo, imperioso ressaltar que tal medida não exime a dívida, sendo inclusive que a desconsideração é uma via de mão dupla, ou seja, o (valor do) bem que acaba sendo “retirado” da sociedade abre brecha a execução em igual importância em face diretamente daquele sócio.
Você leitor já tinha ouvido falar deste tipo de desconsideração da PJ?
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Dedierre Gonçalves é advogado do escritório full service Aluizio Ramos Advogados Associados, graduado em Direito pelo Centro Universitário Alves Faria (UNIALFA) e pós-graduando em Falência e Recuperação Judicial pela PUC-PR, coordenador junto ao Instituto de Estudos Avançados em Direito (IEAD), membro da comissão de Direito Empresarial da OAB (triênio 2022/2024) e atua em processos de insolvência empresarial.