Por muitos anos, consumidores de produtos e serviços ficaram a mercê das empresas quanto à aquisição de produtos e serviços, no que diz respeito ao entendimento das necessidades, produção, vendas, atendimento e pós-vendas. Nós, consumidores (clientes), sempre fomos vistos como elemento final de como as empresas se organizam para obter lucro, baseado num modelo unilateral de se relacionar com seus clientes. De um lado, as poderosas e ricas empresas desenvolvendo e despejando seus produtos e serviços em nós consumidores com a ânsia de bater suas metas de vendas ao final de cada mês. Do outro lado, os consumidores tendo que conviver com grande quantidade de produtos e serviços de baixa qualidade, descartáveis e inadequados ao uso.
Esse modelo se consolidou a mais de um século, a partir da revolução industrial, e acentuou-se pela “obsolescência planejada”, a partir de 1930, quando os produtos passam a ter vida útil programada, passando a apresentar defeitos após determinado tempo de uso, necessitando substituição ou ficando sujeitos a produção descontinuada. Nesta relação, empresa versus consumidores, mesmo pagando a conta, historicamente os consumidores ficaram sempre em desvantagem. Um dos melhores exemplos deste modelo unilateral de se relacionar com seus consumidores são as operadoras de telefonia móvel e seus call centers ineficientes, campeãs de reclamações nos Procon, devido à oferta complexa e confusa de seus serviços. Para essas empresas, não somos considerados clientes, somos apenas consumidores, mais especificamente, somos uma cifra ($) em sua base de dados. Mas essa realidade está mudando, e a mudança vem sendo reforçada por dois movimentos recentes.
O primeiro movimento, e não tão recente, é um clima geral de insatisfação por parte de nós clientes com o resultado deste modelo unilateral. Essa “lógica de mercado”, de lucro a qualquer custo, estabelece uma relação com seus consumidores na qual a ética é moldada pela conveniência de se levar vantagem em tudo, e da necessidade de resultados imediatistas por parte das empresas. Nesse modelo, prevalece a desconfiança como elemento base da relação Empresa X Cliente.
Na aquisição de produtos e serviços, nós, clientes, recebemos uma série de outros “serviços agregados”: são defeitos embutidos e produtos inadequados ao uso, causados pela miopia das empresas em relação às nossas reais necessidades; os descartes programados nas peças de nossos carros travestidos pelo nome de “revisão de fábrica”; planos de saúde sem médicos; taxas de serviços bancário e telefônicos que não compramos. E é claro, tudo previsto em indecifráveis contratos para garantir nossos direitos.
Outro movimento desta mudança é o recente surgimento das redes sociais na internet. Os clientes, motivados por essa insatisfação geral, encontraram nas redes sociais uma forma de se expressar. É um movimento globalizado, no qual pessoas de todo o mundo têm se organizado em prol de interesses em comum. Surge então o que denomino aqui de “Cliente Organizado”, que se baseia em comunidades (virtuais e não virtuais) que, mais que reclamar, estão propondo soluções efetivas para os problemas vividos, resultantes desse modelo unilateral das empresas e do mercado.
Mais que propor soluções, o Cliente Organizado está mudando esse modelo, pois a proposta de soluções a partir das reais necessidades desse novo Cliente conduz facilmente ao surgimento de produtos e serviços mais simples e inovadores, que muitas vezes são empreendidos pelos próprios participantes dessas redes. É o surgimento de novas empresas em que o modelo é do Cliente para o Cliente. É a nova empresa com o Foco DO Cliente, são empresas comprometidas com a entrega de VALOR ao Cliente e não apenas com o lucro. Lucro é conseqüência do reconhecimento deste valor pelo Cliente. Esse valor vai adiante de produtos e serviços adequados ao uso, mas engloba todo um universo de novos conceitos, como sustentabilidade, justiça social e ética.
O Cliente Organizado não quer ser bajulado ou ganhar brindes, ele quer ser ouvido e respeitado. As empresas que entenderem este novo modelo (bilateral) terão um amplo mercado para se integrar (e não explorar). A base dessa integração é a colaboração. E mais que ficar de olho no Cliente, é ficar ao lado dele e partilhar seus anseios e experiências, compartilhando passo-a-passo, desde a concepção, produção, venda e utilização de produtos e serviços.
O Google é um exemplo clássico deste novo modelo, pois incentiva e até remunera a colaboração de seus Clientes no desenvolvimento de seus produtos. O valor para o Cliente Organizado não está no produto em si, mas no que ele representa como resultado real à suas necessidades e se esse produto foi concedido de forma sustentável.
Neste contexto, as empresas tradicionais precisam promover mudanças profundas para se adequarem a essa nova realidade, principalmente mudanças culturais e novas crenças para transformação do negócio. O poder agora está nas mãos do Cliente Organizado, que coloca em xeque-mate esse modelo tradicional das empresas e transforma as regras de mercado a seu favor. Ele deixa de ser escolhido e passar a escolher quem vai lhe atender e entregar Valor.