A China é o principal comprador das exportações brasileiras nos últimos anos. Dados da Secretaria Especial de Comércio Exterior e Assuntos Internacionais, do Governo Federal, mostram que, em 2021, o País asiático foi destino de quase um terço (31,3%) das exportações nacionais, seguido pelos Estados Unidos (11,1%), a Argentina (4,2%), os Países Baixos ou Holanda (3,3%) e o Chile (2,5%).
Mas especialistas em Comércio Exterior avaliam que essa dependência da China nas exportações não pode ser motivo de acomodação dos empresários brasileiros, que devem procurar mais oportunidades para o mercado global. A economia chinesa passou por dois anos atípicos, 2020 e 2021, com a pandemia de Covid-19 e, em 2022, sofre as consequências de posicionamento quanto à invasão da Rússia na Ucrânia.
O peso da China no comércio exterior brasileiro se intensifica desde 2009, quando superou os Estados Unidos como principal destino das exportações. Estas estão concentradas em três produtos básicos: minério de ferro, petróleo e soja. Já quanto aos produtos manufaturados, o Brasil ainda concentra as exportações para compradores mais próximos, como a Argentina.
Para o advogado e consultor Wellington Romanhol, ainda é muito cedo para dizer como o cenário internacional com a guerra na Ucrânia influenciará as exportações brasileiras, apesar de já esperar alta no preço das commodities. Para ele, além de avaliar as influências mundiais, o empresário brasileiro precisaria estar mais aberto a exportar: a venda dos produtos se concentrariam na China, sendo que há demandas internacionais, por exemplo, para o continente africano, onde ainda a operação de produtos brasileiros é pequena.
“É preciso uma mudança cultural do empresário, ampliar a visão de mundo. Normalmente, só querem exportar o produto excedente. Mas o comércio exterior demanda planejamento de longo prazo, com definição específicas de produtos para a exportação. Ainda atuam somente pela conveniência e não desenvolvem um projeto específico”, acredita.
Para exemplificar essa situação, Romanhol conta quando presenciou as negociações para a venda de um produto que era vendido em caixas de 48 unidades. O comprador internacional desejava caixas de 72 unidades, mas o empresário não aceitou adaptar sua linha de produção e o negócio não foi fechado. “Não buscam conhecer melhor o mercado internacional, precisam melhorar o posicionamento, compreender como funcionam as empresas em outros países, para quando a oportunidade surgir, estarem prontos para atender. Mas estão muito fechados, não entendem a necessidade do cliente e poucos estão abertos à customização dos processos”, ressalta.
Outro exemplo que o advogado cita é o de exportação de carnes. Segundo ele, a exportação do Brasil nesse segmento poderia ser maior.
“Porém, os frigoríficos não estão habilitados, é um processo demorado a habilitação. Por isso, reforço a questão do planejamento, pois quem está preparado sai na frente e aproveita a janela de oportunidades. Os empresários costumam dizer que não podem se programar, pois o Brasil é um país emergente, de economia instável, porém, com estratégia, conseguem sim. Há os riscos do negócio, como a pandemia, mas é possível”, explica.
Perspectiva industrial
O superintendente de Desenvolvimento Industrial da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Renato da Fonseca, explica que, mesmo que as exportações estejam concentradas na China, o aumento das vendas para o exterior sempre é positivo. O aspecto negativo seria a falta de diversificação, uma vez que os três produtos mais exportados – minério de ferro, petróleo e soja – respondem por 80% da pauta, e o Brasil ainda disputa esse mercado de soja com os Estados Unidos e outros países.
Renato explica que parte da disputa do mercado chinês com os Estados Unidos ajudou o Brasil a crescer. “Não vejo problema do País ser um grande provedor de alimentos. Os Estados Unidos e Canadá também são, temos vários países industrializados, com a indústria e a agricultura fortes. Mas o nosso problema é que a indústria brasileira não é forte. A publicação ‘Desempenho da Indústria no Mundo’, que acompanha a participação industrial do Brasil e do mundo, mostra que estamos perdendo espaço, já estivemos na 8ª posição, e estamos na 17ª colocação, em competitividade”, aponta.
Outro alerta que o superintendente da CNI faz é que o Brasil também perde espaço nas exportações mundiais de manufaturados.
“Quando você olha dentro da indústria, você vê o crescimento. Em 2021, em relação a 2019, houve recuperação, mas ainda assim crescemos mais na indústria básica, de alimentos, químicos, produtos diretamente ligados ao agronegócio ou produtos intermediários, como celulose, madeira, do início da cadeia produtiva. Os produtos do fim da cadeia, com mais valor agregado, mais etapas de produção, os de bens de capital e bens de consumo duráveis, não crescem na pauta da exportação”, afirma.
Ainda sobre os manufaturados, Renato explica que os brasileiros praticamente não exportam esses produtos para a Ásia, pois, nesse caso, estes são países competidores de mercado. Seriam enviados mais para América Latina, Estados Unidos e Europa. “O Brasil ainda não entrou no mercado de cadeia global de valor. O grande desafio é diminuir essa concentração da exportação de produtos básicos, mas sem reduzir, ‘de jeito nenhum’, as vendas para a China. Expandir os manufaturados para a Ásia pode ser mais difícil, mas podemos aumentar para a América Latina, Estados Unidos, e até para a Europa”, explica.
Mas por que isso ainda não ocorre? De acordo com Renato, as empresas brasileiras ainda precisam investir em inovação, mão de obra de qualidade, gestão, capacitação e melhorar a educação no País, de uma forma geral. A mudança na educação, para ele, seria importante para que os jovens já entrassem no trabalho com visão mais ampla sobre o mercado. Outro fator determinante que impede a ampliação das exportações de manufaturados, de acordo com o superintendente, seria o sistema tributário do Brasil. Com a acumulação de tributos, ao longo das cadeias de produção, o sistema desestimularia a exportação e estimularia a importação.
Os problemas de infraestrutura do País também são apontados pelo superintendente da CNI como empecilhos. “Esses não são as únicas dificuldades, há todo o chamado ‘Custo Brasil’. A reforma tributária está no Congresso, não vai ser rápida, mas resolverá. A área de infraestrutura também vem avançando, probabilidade de termos resultados positivos, o que pode contribuir com a exportação dos manufaturados. Temos muitos riscos, porque commodities, por exemplo, variam de preços, mas isso não nos faz parar de exportar. Apesar do Custo Brasil, conseguimos exportar. Se não tivesse isso, nosso preço lá fora seria menor, seria mais fácil competir”, ressalta.
Políticas públicas e pandemia
Renato da Fonseca acredita que as políticas públicas brasileiras para exportação e inovação ainda deixam a desejar. “Há muita burocracia, não temos um sistema de financiamento e garantias, como um seguro forte para exportação. Todos os Países desenvolvidos têm apoio do setor público”, reforça. Sobre os impactos trazidos com a pandemia, o superintendente da CNI explica que desde a primeira onda de contaminação de Covid-19, as estruturas para exportação ficaram desorganizadas, como a falta de insumos e de contêineres, e a própria China teria o crescimento mais devagar.
“Até esse fluxo reorganizar, podemos aproveitar oportunidades com outros países com demandas mais elevadas, outros países asiáticos que buscam produtos agropecuários”, sugere.